O sonho desfeito

E depois de atravessar o infinito Salão das Colunas, sempre dois passos atrás de Eunice Littlefield, Williamina emergiu no hall da Casa da Lagoa, e depois, ao ar livre, para um fim de madrugada que cheirava a orvalho sobre capim recém-cortado e damas-da-noite. O céu apresentava-se rosado, quando ambas se despediram de modo cordial.

- Fiquei encantada com a sua recepção e espero poder receber novos convites - disse Williamina em tom protocolar.

- Irá recebê-los - assegurou a Residente. - Para o meu povo, é sempre proveitoso ter alguém que faça a intermediação com o mundo dos humanos. A universidade é uma prova de que podemos conviver de forma pacífica.

Eunice a segurou pelos ombros e a beijou em ambas as faces. Williamina a encarou surpresa.

- O que eu faço agora? - Murmurou.

- Nada; - replicou Eunice. - É apenas um gesto de despedida; não estou anulando o seu vínculo de proteção, se foi nisso que pensou.

- Desculpe, eu só queria saber se devo retribuir - admitiu a jovem acanhada. - Ainda estou aprendendo a etiqueta das Residentes e não quero cometer nenhuma gafe...

O rosto de Eunice iluminou-se.

- Se você quiser...

Williamina parecia estar pairando acima do próprio corpo quando imitou o gesto da anfitriã e inebriou-se com o perfume dela. Felizmente, Eunice moveu-se em seguida e quebrou o encanto:

- O seu kelpie chegou. Vá logo, antes que o sol nasça.

O tom imperativo não admitia réplica. Williamina virou-se e ali estava o cavalo preto que a trouxera ao baile, o pelo luzidio brilhando como se estivesse molhado.

- Você é pontual - saudou-o.

E acenando para Eunice, antes de montar:

- Nos vemos na universidade.

Esta fez um aceno afirmativo:

- Em breve.

A cavalgada pelo bosque foi feita como num sonho, Williamina agarrada ao pescoço quente do animal, sentindo um certo alívio por não estar mais sob a influência de Eunice Littlefield.

- O seu cheiro é bom - murmurou, de olhos fechados.

- Você é uma garota de sorte - respondeu o kelpie, e ela ficou em dúvida ao quê ele estaria se referindo.

* * *

Ao sair do bosque em frente à residência universitária, Williamina ainda sentia-se entorpecida, menos pela noite insone, e mais pelo breve contato que tivera com a Residente e com o kelpie que a levara até perto dali. Começava a entender porque algumas pessoas escolhiam, conscientemente, abrir mão de uma vida entre seus pares pelo Outro Lado, onde as regras podiam ser bastante bizarras e o status do aderente, incerto. Mas isso não era para ela, disse para si mesma com firmeza.

Não havia ninguém sentado nos bancos de madeira sob as árvores, como Alison Mew, que estivera esperando por ela na noite anterior, mas cruzou com algumas alunas que também pareciam estar chegando do baile - o da Casa da Lagoa e outros, mais mundanos. Nenhuma das outras, contudo, estava tão bem vestida quanto ela, avaliou com uma pitada de orgulho.

Ao subir para o seu andar e girar a chave na fechadura, ouviu um ruído no interior do quarto: algo caíra no chão. Ao abrir a porta, deparou-se com a colega, Margeret, descabelada e de pijama.

- Você voltou! - Exclamou Margeret exultante. E, de um pulo, abraçou-a tão forte que quase lhe tirou a respiração.

- Ei, sua louca, claro que eu voltei... todos aqueles sigilos de proteção e tudo o mais - resmungou Williamina, livrando-se do abraço.

Margeret pôs a mão na boca, como que para encobrir o riso.

- Fale baixo... já derrubei o livro quando levantei, nem sei como ela não acordou.

- Ela? - Williamina ergueu os sobrolhos.

Margeret puxou-a para dentro do quarto e fechou a porta. Foi só então que Williamina percebeu que Alison adormecera na cama dela, ainda vestindo as mesmas roupas com as quais a vira na noite anterior.

- Praticamente implorou para ficar aqui e esperar você chegar - sussurrou Margeret. - Sabe como tenho o coração mole, não sabe?

Williamina ficou em silêncio, encarando o rosto inocente de Alison adormecida, os lábios entreabertos. Finalmente, virou-se para Margeret e disse baixinho:

- Ei... eu também preciso dormir.

- Pode ficar com a minha cama - decidiu a terceiranista. - Vou tomar um banho e me vestir para o café...

E diante do olhar de dúvida de Williamina, complementou:

- Não volto antes do almoço; vocês têm muita coisa para conversar.

- [15-12-2021]