NOVO NORMAL

Vera se mudara, para Novo Normal, cidade de poucos habitantes, pacatos e sempre na deles. Não conversavam muito, e nunca emitiam opinião. Geralmente andavam cabisbaixos. Ela estava em busca de algo do qual sentia muita falta, e que não mais encontrara, depois da grande redefinição feita no mundo, mas que atingira, principalmente, as metrópoles. Tinha pensado que estaria bem melhor numa cidade pequena do interior, a salvo desta tal nova redefinição.

Num dos poucos dias de sol, resolveu ir a uma das escassas lojinhas que ainda não tinham fechado, depois que a Nova Ordem passara a vigorar. Ao entrar na loja, perguntou ao atendente.

_ Por favor, o senhor tem liberdade aqui?

_ De que tipo? perguntou o atendente

_ Queria, ou melhor, preciso de liberdade... aquela do tipo irrestrito.

_ Ah! Esta vou ficar lhe devendo. Foram todas recolhidas. Agora só existe liberdade controlada.

_ Mas não sei usar esta... sempre tive a outra. Com esta vou poder ir onde quiser, dizer o que penso? Como funciona esta que o senhor tem?

_ Você vai usá-la de acordo com o que lhe permitirem fazer. Ela vem com um manual de instruções bem definidas. Você não pode agir de modo diferente do que está escrito ali.

_ Ah! Esta não me interessa... aqui tem democracia?

_ Havia, mas acabou. Agora mandaram substituir por censura, ditadura e tirania, serve?

_ De jeito nenhum! Então, acho que vou querer só um pouco de coragem, ou ousadia... o senhor tem?

_De novo, sinto muito! Vou ficar lhe devendo, também. Há tempos que não temos isto por aqui. Na verdade, acho que nem existe mais. Há um estoque inteiro de covardia lá no depósito, quer?

Vera sacudiu a cabeça, e saiu cabisbaixa. Começara novamente a chover. Depois de um mês vivendo em Novo Normal, já não conversava quase, e aprendera a não emitir opiniões... também já estava sabendo usar a liberdade controlada, e acabara comprando um pouco de covardia. Adaptou-se.

Ouvindo The End of the World - Billie Eilish (tradução)

https://youtu.be/NPYv4lpurt8