Entre o ocaso e a alvorada

Raphel e seus homens foram então levados à uma mesa longa num grande salão de refeições da pousada, que o guia informou chamar-se Misafirhane; ali havia muitos hóspedes fazendo suas refeições, mas eles aparentavam ser os únicos forasteiros.

- Estrangeiros são raros por aqui - comentou Kaleb, enquanto fazia sinal para um dos atendentes e por gestos indicou que queriam comer e beber.

- E de onde vêm os outros hóspedes? - Questionou Raphel, olhando ao redor. Todos os demais presentes vestiam-se como os habitantes de Sayirsheri, embora supostamente não houvesse cidades próximas pertencentes àquela mesma cultura.

- Não conheço o suficiente da língua deles para perguntar isso - esquivou-se Kaleb. - Talvez sejam apenas locais, que vêm jantar aqui para ver os recém-chegados de terras distantes.

Raphel pensou consigo que a resposta trazia uma nova fonte de inquietação, pois subitamente o seu grupo parecia haver-se convertido no centro das atenções.

- O que essa gente esconde? - Perguntou-se.

Kaleb não lhe deu atenção, pois o atendente havia voltado com uma bandeja de prata, onde estavam dispostos pequenos pratos redondos de bronze polido, cada um deles com uma amostra de alguma das iguarias e frutas ali servidas.

- Não há opção de bebida? - Indagou Raphel.

- O povo de Sayirsheri é muito devoto e bebe apenas água da fonte - resumiu Kaleb. - Melhor que seja assim, pois pela regra número três, teremos que partir antes do nascer do sol; ninguém aqui corre o risco de perder a hora por ter se embriagado durante a noite.

Embora alguns dos empregados de Raphel parecessem decepcionados com a informação, a maioria aprovou o comentário do guia. E rapidamente fizeram suas escolhas, apontando para alguns dos pratos exibidos na bandeja do atendente. A cada solicitação, o rapaz colocava uma pedrinha ao lado do item escolhido, para que a cozinha da pousada soubesse quantas porções teria que preparar.

- Por que a regra número três? - Indagou subitamente Raphel para Kaleb, enquanto o atendente se afastava com os pedidos. - Não podemos pernoitar aqui mais do que uma noite?

- São regras da cidade - redarguiu Kaleb. - Imagino que tenha a ver com a capacidade deles em receber hóspedes; até onde eu sei, esta é a única pousada de Sayirsheri dedicada a estrangeiros, e podem querer ter espaço para receber novos visitantes que venham a aparecer, digamos, amanhã à noite.

- E não podemos ficar durante o dia? - Insistiu Raphel.

- A cidade só é aberta para entrada e saída entre o ocaso e a alvorada - informou Kaleb. - Novamente: são as regras deles, não me pergunte porque as coisas são como são. Talvez nem mesmo eles saibam porque deve ser assim, apenas seguem uma tradição.

- Tudo aqui é muito estranho - ponderou Raphel. - Apesar do luxo e do conforto...

- Aproveite a estadia - sugeriu Kaleb. - Lembre-se que ela custou apenas um grão de cevada.

O atendente voltou, empurrando um carrinho com várias travessas e terrinas, e começou a servir o jantar. Enquanto os homens retiravam os pratos, ele trouxe algumas jarras de bronze cheias de água, e copos de cerâmica.

- Bom apetite! - Recomendou antes de sair, para surpresa de Raphel.

- Imaginei que não falassem a nossa língua - comentou em voz baixa com Kaleb.

- Foi uma das poucas coisas que consegui lhes ensinar - replicou o guia, enchendo um copo com água e erguendo-o à vista de todos:

- À nossa saúde! - Exclamou.

Os demais, Raphel incluso, seguiram o gesto.

- [Continua]

- [03-10-2021]