O Grão de Cevada

A caravana seguiu pelas ruas movimentadas de Sayirsheri, atraindo a atenção dos bem-vestidos residentes, os quais apontavam para os recém-chegados e teciam comentários polidos em seu idioma, os quais nenhum do grupo reconheceu. Mesmo o guia, Kaleb, o único dentre eles que conhecia a localização da entrada da cidade perdida, não sabia mais do que meia dúzia de palavras na língua local.

- Como nunca tínhamos ouvido falar desse lugar? - Questionou Raphel Bona Azim, o contratante, que cavalgava à frente da tropa de mulas, ao lado de Kaleb.

- Quem passa direto por Düzarazi, não precisa saber que ele existe - replicou Kaleb. - Mas como manifestou o desejo de pernoitar, aqui estamos.

- E como iremos pagar a nossa estadia? Aceitam as nossas moedas?

- Não. Eles só têm interesse em mercadorias; é provável que achem alguma coisa que queiram, na sua carga.

- E se não houver nada que queiram? - Insistiu Raphel, preocupado.

- Aí, vão nos convidar gentilmente a sair da cidade - replicou Kaleb. - Mas, durante todo o tempo em que guio caravanas através de Düzarazi, isso nunca aconteceu.

- Espero que esta não seja a primeira vez - comentou Raphel, parecendo subitamente arrependido de sua decisão de dormir na cidade misteriosa.

- Se todos seguirem as regras de estadia, não teremos problemas - declarou Kaleb.

Os habitantes de Sayirsheri, notou Raphel, aparentavam possuir um elevado padrão de vida. Homens e mulheres vestiam trajes de cores brilhantes e tecidos finos, com grande quantidade de pulseiras, brincos e colares de ouro. Não parecia haver servos ou escravos entre eles, a não ser que estes se vestissem de modo tão luxuoso quanto seus senhores. E, fato notável, não avistou nenhum animal solto pelas ruas, impecavelmente limpas.

- Nunca vi um lugar tão luxuoso como esse - declarou Raphel, impressionado. - Nem mesmo na capital do emirado.

- O povo de Sayirsheri sabe como viver bem - replicou Kaleb. - Não têm as mesmas preocupações que nós, simples comerciantes e andarilhos em busca de novos mercados.

- Eu poderia abrir um entreposto aqui - ponderou Raphel.

- Acredite: eles não estão interessados - redarguiu Kaleb. - Essa é uma comunidade autossuficiente. Só aceitam visitantes como cortesia, não para comerciar com eles.

E finalmente, chegaram a um prédio longo, de dois andares e telhas vermelhas, em frente à uma praça com chafariz. Uma placa dependurada sobre a entrada, anunciava, na sinuosa cursiva local, que aquele estabelecimento era uma pousada para viajantes. Kaleb apeou do cavalo e foi recebido por um jovem moreno, que fez uma mesura diante dele. O guia repetiu a saudação e o que se seguiu foi uma troca de gestos, onde o guia solicitou acolhida para o grupo e seus animais. Finalmente, pareceram ter chegado a um denominador comum, e o jovem foi examinar a carga das mulas, sob o olhar atento de Raphel.

- Quanto isso vai nos custar? - Questionou aflito o comerciante.

- O preço justo - garantiu Kaleb. - Eles não têm interesse em enriquecer às nossas custas.

E foi ter com o anfitrião, que pareceu haver chegado à uma conclusão sobre a paga da estadia. O rapaz ergueu triunfante um grão de cevada, entre o polegar e o indicador.

- Um grão de cevada?! - Raphel estava boquiaberto.

- Para quem já tem tudo, um grão de cevada pode valer uma grande fortuna - avaliou Kaleb.

- [Continua]

- [02-10-2021]