As Regras de Estadia
O sol estava se pondo sobre o imenso mar de urzes que era Düzarazi. Havia poucas árvores ali, retorcidas e grandemente espaçadas, como se o solo fosse tão ingrato que sequer permitisse que se desenvolvessem plenamente. E, aqui e ali, entre as moitas verdes pintalgadas de florzinhas violetas, emergiam restos de construções de pedra, tão antigas que ninguém sabia quem havia vivido ali outrora.
- Onde vamos parar pra passar a noite? - Indagou Raphel Bona Azim, o contratante, emparelhando seu cavalo com o do guia, Kaleb.
- Não é seguro dormir em Düzarazi - redarguiu Kaleb, que encabeçava a tropa de mulas carregadas de mercadorias. - Se apressarmos um pouco o passo, poderemos atravessar o vau do Yavashakish antes da meia-noite.
- Qual o problema de passar a noite aqui? - Questionou Raphel. - Tá todo mundo cansado, depois de dois dias de estrada. Dormimos aqui, e seguimos viagem pela manhã.
- Discordo - insistiu Kaleb. - Não se deixe enganar pela tranquilidade desse lugar; é por uma boa razão que não há gente nem bichos de grande porte vivendo em Düzarazi.
- E também precisamos dar descanso aos animais - prosseguiu Raphel, como se não houvesse escutado as palavras do guia. - Se não há animais perigosos ou salteadores na região, o que nos impede de fazer uma parada?
Kaleb suspirou.
- Vocês querem mesmo dormir aqui? Palavra final?
- Vai ser melhor - assegurou Raphel.
- Está bem - assentiu Kaleb. - Eu conheço um lugar, mas eles têm regras muito rígidas para pernoite. Chame o pessoal, preciso explicar as regras.
- Tem uma pousada aqui nesse descampado? - Inquiriu Raphel, testa franzida e mão em pala sobre os olhos.
- Logo vamos chegar lá - garantiu Kaleb.
* * *
O crepúsculo cobriu Düzarazi com seu manto arroxeado. Junto de um grupo de ruínas que pareciam os restos de uma antiga fortificação, Kaleb instruía os homens de Raphel, que o ouviam em silêncio.
- Alguma dúvida sobre as regras?
Os homens entreolharam-se.
- Ninguém nesse lugar fala a nossa língua? - Indagou um dos ajudantes.
- Não - replicou Kaleb. - Deixem que eu me entendo com eles... por gestos. E não tentem me imitar, ficou claro?
Os homens balançaram as cabeças em concordância.
- Então, me aguardem aqui; vou dar à volta às ruínas... se tudo estiver em ordem, volto para buscar vocês.
O grupo aguardou enquanto Kaleb esporeava o cavalo e partia rumo à extremidade leste da construção, onde algumas colunas partidas se erguiam do alto de uma muralha de blocos imensos justapostos. Pouco depois, ele reapareceu do lado oposto das ruínas e acenou, sofreando a cavalgadura:
- Podem vir!
Reunindo as mulas, os homens de Raphel seguiram para o ponto onde o guia os aguardava. E, ao dobrar a esquina da fortificação, assombraram-se ao deparar com o arco de pedra da porta de uma antiga cidade, aberta e iluminada. E, do lado de dentro dela, uma rua por onde circulavam pessoas vestindo roupas estranhas, fazendo suas compras em lojas à luz de lâmpadas que queimavam o que, pelo cheiro, parecia ser óleo mineral.
- Bem-vindos à Sayirsheri - saudou-os Kaleb - e lembrem-se das regras! São o nosso passaporte para seguir viagem...
Raphel e seus empregados estavam tão aturdidos com a misteriosa cidade que surgira do nada, que limitaram-se a acompanhar o guia, enquanto ele passava pela porta e adentrava o movimento da rua, abrindo caminho entre os transeuntes.
[Continua]
- [01-10-2021]