Não se prenda

- A mente humana é realmente a coisa mais assustadora de todas - comentou Williamina em tom casual, ao adentrar o quarto que dividia com Margeret no dormitório feminino.

- Está me dizendo isso logo depois de falar com o orientador Lemar? - Questionou Margeret, sentada em sua cama.

- Foi uma conversa interessante - replicou Williamina, sentando-se em sua própria cama, de frente para a colega. - E me fez lembrar daquela conversa sobre as asas de Ícaro, que tivemos no refeitório, dias atrás.

- O que eu e o orientador poderíamos ter em comum? - Margeret inclinou o corpo para trás, cabeça erguida, apoiando-se nas mãos espalmadas. - Imaginei que, pra você, estaríamos em lados opostos.

- Não quando se trata de testar a minha determinação em chegar ao fundo dessa toca de coelho - afirmou Williamina. - Há muito para ser descoberto, e tanto você quanto ele, não parecem confiar que estou à altura do desafio.

Margeret esboçou um sorriso e relaxou a postura.

- Quando me referi ao destino de Ícaro, era apenas para fazê-la pensar... não para lhe assustar - assegurou Margeret. - Se você se sente pronta para encarar o que quer que a aguarda entre as Chwiorydd Cyfnos, quem sou eu para te dizer o contrário? Sendo totalmente sincera, enxergo muito potencial em você... e talvez possa destravar umas tantas portas, pelas quais não sou capaz de entrar.

Williamina fez um aceno de cabeça.

- Acredito que passei no teste na noite em que fui estudar na biblioteca. Se eu tivesse reagido de maneira diferente, talvez Eunice não me desse a oportunidade que vou ter esta noite; sinto que ela está tão curiosa sobre mim quanto eu estou a respeito dela.

Margeret balançou a cabeça em concordância.

- Que ela está curiosa, é fato - assentiu. - Mas, não se deixe levar pelas aparências: Eunice é velha, muito velha. Para você, é a primeira vez em que se vê nessa situação, mas para ela, esta é somente mais uma de muitas semelhantes. Não se empolgue, achando que ela irá imediatamente lhe abrir as portas do reino e estender um tapete vermelho. E, principalmente, há algo que você deve ter muito claro em sua mente... essa, que pode ser tão assustadora.

Williamina a encarou, em expectativa.

- Você, eu, estamos nos preparando para enfrentar o tipo de perigo que a simples presença dos Residentes em nosso meio pode trazer - explanou Margeret. - Nos toleram enquanto permanecemos em nossos domínios, mas estar no território deles, mesmo na qualidade de convidada, pode ser uma experiência imprevisível. O melhor conselho que posso lhe dar, é: siga estritamente o que a sua anfitriã lhe disser. E, em hipótese alguma, aceite comer ou beber o que quer que seja, enquanto estiver na Casa da Lagoa. Se o fizer, pode não ser mais capaz de voltar.

- Uma festa na qual não posso comer nem beber? - Questionou Williamina perplexa.

- Você foi avisada - replicou Margeret. - Lembra do manjar turco?

Williamina apenas assentiu com a cabeça.

- Talvez seja prudente levar um lanchinho - sugeriu, com uma piscadela.

- Eu vou sair por aí, de vestido de baile, segurando um farnel? - Williamina ergueu os sobrolhos.

- Eu lhe empresto a minha necessaire - minimizou Margeret.

Williamina preparava-se para responder quando bateram à porta. Margeret ergueu-se para atender, e quando abriu, deparou-se com Alison Mew. A recém-chegada pareceu embaraçada ao vê-la.

- Oi... a Williamina já foi?

- Está se trocando, Alison - retrucou Margeret, sem fazer menção de sair do caminho. - Mas se ainda quiser falar, ela deve descer lá pelas 21 h; fique de plantão no saguão.

- Está bem - murmurou Alison, ajeitando os óculos no nariz.

Margeret fechou a porta em seguida, sem se despedir.

- Você não gosta da Alison - avaliou Williamina.

- Eu só devolvo o que ela me dá - sentenciou Margeret.

- [24-09-2021]