Além do hall da reitoria

Josiah Lemar sentiu a temperatura cair dois ou três graus quando entrou no grande hall de mármore no terceiro andar da reitoria. Imóvel no centro do aposento, cujo piso reproduzia uma grande rosa dos ventos, com o norte apontando para o gabinete da reitora, Aurelia Aldworth, uma mulher alta, vestida de preto, o aguardava.

- Eleri - saudou-a Lemar.

- Como vai, Josiah? Ela está à sua espera.

Ao passar pela mulher, Lemar sentiu um perfume suave, de íris, sândalo e maçã verde, como se ela houvesse acabado de sair do banho. Ao voltar-se novamente, antes de bater na porta dupla de mogno do gabinete de Aldworth, Lemar não a viu mais. A temperatura ambiente pareceu subir ligeiramente.

- Reitora? - O orientador ergueu a voz, antes de bater.

- Entre, Lemar - respondeu alguém lá de dentro.

O orientador girou a maçaneta de cobre e deparou-se com um local que em nada lembrava o gabinete da autoridade máxima da universidade. Na verdade, estava agora ao ar livre, no que parecia ser uma clareira na floresta que se estendia nos fundos do terreno da universidade. Sob um céu púrpura, crepuscular, árvores milenares estendiam ramos nodosos dos quais pendiam globos de luz amarelada; sob eles, um grande trono de pedra ladeado por dois tronos menores, vazios. No trono central, vestida de branco e com uma tiara de diamantes sobre a testa, Aurelia Aldworth o aguardava.

- Magnífica reitora - saudou-a Lemar, curvando-se.

- Aproxime-se - comandou Aldworth, fazendo um gesto com a mão ornada de anéis cintilantes.

O orientador parou a cerca de dez passos da regente, distância protocolar exigida dos visitantes.

- O que o traz a mim? - Indagou ela, juntando as palmas das mãos e curvando a cabeça, enquanto o encarava fixamente, o que o fez baixar os olhos como se houvesse sido pego em falta.

- Bem... não sei por onde começar - declarou Lemar.

- Então, comece por Margeret Northwood - replicou a reitora. - Não é por causa dela que está aqui?

Lemar ergueu os olhos.

- Não exatamente... vim procurá-la por causa de Eunice Littlefield.

Os olhos de Aldworth se estreitaram, como se houvesse acabado de ouvir algo desagradável.

- As Residentes estão um pouco acima da sua jurisdição, conselheiro; não posso ficar do seu lado contra elas, como sabe.

- Mas creio que há uma exceção à esta regra... quando uma Residente procura manter contato com um humano fora dos espaços sagrados ou dos umbrais entre os mundos, me é permitido interferir, se deduzir que disto poderá resultar dano para o citado humano.

- Eunice Littlefield está interessada numa humana? Que pitoresco! - A reitora ergueu os sobrolhos. - E de quem exatamente estamos falando?

Lemar tomou fôlego antes de responder:

- Williamina Camburn.

- Eu deveria conhecê-la? - Questionou Aldworth.

- Não creio - admitiu Lemar. - É uma aluna do segundo ano de biblioteconomia, mas desde que começou a andar com Margeret Northwood, parece ter desenvolvido certa curiosidade pelo caminho do meio... o que, por si só, não é algo ruim. O problema é Eunice fazendo proselitismo, o que vai contra as regras.

- Se deu conta de que talvez... apenas talvez... Eunice não esteja fazendo proselitismo?

Foi a vez de Lemar erguer os sobrolhos.

- Acha que Eunice pode estar... caçando?

A reitora deu de ombros.

- Não seria a primeira vez, você sabe. Se a sua garota não for esperta, Eunice vai fazer picadinho dela.

Lemar suspirou.

- Não gostaria de ter que registrar esta perda - afirmou Lemar.

- Não posso opinar, sem saber o que está por trás do comportamento de Eunice - ponderou Aldworth. - Mesmo para mim, que sou reitora, essa pode ser uma tarefa extremamente difícil; mas, justamente por isso, não o impeço de lutar por sua aluna.

E, erguendo um dedo:

- Desde que não se interponha no caminho de Eunice, que fique bem claro.

- Não posso lutar por Williamina - reconheceu Lemar, sentindo um grande peso cair sobre seus ombros.

- [09-09-2021]