A luz da tarde

Sentada sob uma árvore do bosque em frente à reitoria, com um livro de estatística aplicada em suas mãos, Williamina teve interrompida a luz do sol da tarde por alguém que havia se colocado bem à sua frente. Antes mesmo de erguer os olhos, o perfume que sentira algumas noites atrás, encheu-lhe as narinas; sabia que quem estava ali era a Residente chamada Eunice Littlefield - ou ao menos, era o nome humano que usava. Eunice estava sorrindo.

- Lembra de mim? - Indagou ela.

"Como poderia não lembrar", pensou Williamina.

- Acho que nos vimos na cantina, há alguns dias - redarguiu, abaixando o livro.

Ambas haviam se visto antes disso, na biblioteca, mas talvez não fosse de bom-tom tocar no assunto, especulou Williamina.

- Podemos conversar? - Indagou polidamente a Residente.

- Claro! - Acedeu Williamina, colocando o livro à sua direita. Eunice sentou-se num bloco de pedra à esquerda e ajustou o vestido para cobrir as pernas longilíneas.

- Vim lhe trazer um convite - declarou, estendendo um pequeno cartão com letras de ouro, retirado de um bolso do bolero de camurça que usava. Williamina o examinou com atenção.

- Está me convidando para um baile? - Questionou.

- É um pequeno exercício de interação social, se posso definir assim - ponderou Eunice. - Pode encarar também como um pedido de desculpas pelos meus modos na outra noite.

"A outra noite", pensou Williamina. Então, Eunice admitia formalmente que as duas já haviam se encontrado antes, num dos limiares entre os dois mundos.

- Você é a Laranja - constatou Williamina.

Eunice a olhou com tranquilidade.

- Peço que me perdoe também por essa indelicadeza - afirmou, estendendo a mão. - Eunice Littlefield.

Apanhada de surpresa, Williamina engoliu em seco.

- Você está tentando me pegar desprevenida? - Questionou; não obstante, apertou a mão que lhe era oferecida.

Eunice riu, sem soltar a mão dela.

- Não pode me culpar por tentar... é mais forte do que eu!

E segurando a mão de Williamina entre as dela, encarou-a bem no fundo dos olhos:

- Eu vou lhe dar um nome, então. Tudo bem?

Sem ter como fugir, Williamina apenas balançou a cabeça em concordância.

- Darganfyddiad - sussurrou Eunice, soltando a mão dela.

No cartão-convite, este era o nome que agora aparecia gravado em letras de ouro. Antes, Williamina tinha quase certeza, havia ali apenas um espaço em branco.

- O que significa? - Indagou aturdida.

- Descoberta - disse Eunice com um sorriso.

E erguendo-se:

- Será um evento formal; vou mandar deixar um vestido e sapatos adequados no seu dormitório.

Seu vulto encobriu brevemente a luz dourada do sol da tarde. No instante seguinte, nem ela nem seu perfume estavam mais lá.

- [24-08-2021]