O cão, uma rua na cidade e algumas reflexões pseudo-filosóficas.
Fecho a porta da geladeira e me dirijo até a mesa colocada sobre a rua em frente ao bar do Turco. Coloco o vasilhame no suporte de isopor e com a base do meu isqueiro faço a tampa metálica saltar. Virgílio serve os copos enquanto acendo um cigarro.
“Tava pensando uma coisa mano, já imaginou que se existisse transplante de cérebro, que na verdade ele deveria se chamar transplante de corpo? Afinal, somos o nosso cérebro, então, se este for transplantado, o que muda é o corpo, a noção de ‘eu’ continua a mesma...”
“É uma viagem isso aí, você não tinha parado de fumar?”
“Velhos hábitos demoram a morrer.”
“Verdade, tem ouvido o que?”
“Jazz da costa oeste, grindcore e Om.”
“Tá meditando?”
“Não mas devia... Om é o nome de uma banda mesmo, uns maconheiros da Califórnia que fazem um som doom cheio de referências religiosas, é legal.”
Subindo a rua, um cachorro com a língua pra fora sente o cheiro vindo da churrasqueira na calçada e se aproxima. Fareja um pouco o chão a nossa volta curioso, lambe uma mancha de gordura caída até que é afastado pelo Turco que com uma pisada faz o bicho correr enquanto olha pra trás.
“Coitado do cão.”
“Pois é.”
“Então, essa mudança climática, a nova praga, tudo indo pelos ares, será que isso quer dizer alguma coisa?”
“Tudo faz sentido quando se é maluco o suficiente.”