FRANCOLÔNIO, O POET'ASTRO

AOS LEITORES: qualquer semelhança com fatos e pessoas não é mera coincidência... é "PALHAÇADA" mesmo !

FRANCOLÔNIO, O POET'ASTRO

A jornalista voltara revigorada das férias no interior e mais feliz do que normalmente estaria, porque descobrira em meio ao matagal e aningais, floresta e água em abundância, uma espécie rara da Humanidade fabril, um poeta, homem que "fabricava" versos no lugar de coisas e progresso efetivo. Porém, como Diretora de programação de uma Rádio oficial e, tendo ela mesma ali um programa dedicado aos valores artísticos da terra, aquele achado era definitivamente um... "um achado", redundâncias à parte.

Acertaram-se as vontades: o vate rústico e vetusto largaria pela vez primeira seus afazeres "aquáticos" na ilhota aos pés de Belém -- esta à beira-rio plantada -- e iria fazer visita a Rádio CULTURA, que disputava agora com as emissoras concorrentes Nazaré e UNAMA a primazia de divulgar os Artistas locais, honra (e prazer) que já fôra só sua. E justo no mês " de desgostos" segundo a plebe ignara, mês de desgraças conforme o populacho crédulo. Mas não se ganha na Loteria neste mês ?! Não se nasce -- presente dos Céus, para alegria dos pais -- não se consegue emprego, medalha de ouro em Olimpíada ?! Então !!!

"Rainha silvestre" (a partir do nome) nascida urbana, Regina Silva só nas férias se dava ao luxo de revisitar o chão bruto e alagado de igarapés amigos, refrigerando corpo e coração, á guisa de Paraíso. E lá topara, literalmente caíra sobre o poeta do Agreste perdido na Amazônia ao tropeçar numa raiz submersa. Poeta que era, improvisou versinhos festejando o "acidente" fortuito para ambos:

-- "Vim pescar uma dourada, / findei com bela sereia... / 'inda que não preparada, / já tenho algo "pra ceia" !

As férias da jovem senhora tomaram outra feição, "pescara" ela também peixe de raro feitio, um vate das selvas caindo, "de graça", em sua graciosa rede. Acertaram-se "os ponteiros", digo, selaram acordo para o poeta declamar seus escritos no programa da moça. Êle, que chegara do árido Nordeste de xique-xique e calango uns 50 e tantos anos antes, vivia sem rádio, TV nem nenhum conforto eletrônico e dessas coisas não sentia falta... tinha a Natureza por vista e inspiração, alimento e casa, diversão e trabalho. Precisava mais do quê ?!

Pouco depois, eis que numa bela manhã de agosto -- mês de infortúnios, segundo a patuléia que torce pelo fracasso alheio -- surge na porta da Rádio Cultura "seu" Francolônio Soares de Macedo, mossoroense de nascimento e Açuense por adoção, que a família inteira, toda de glosadores eméritos, era natural de Açu, menos êle. Camisa social de longas mangas por sobre a calça barata ainda de "Tergal" -- "que não amarrota nem perde o vinco", segundo o reclame de 60 anos atrás -- eis que Francolônio posta-se frente ao enorme portão de ferro, que se move sozinho, para espanto do velho, nada afeito às novidades da vida moderna. Permaneceu estático, as pernas tremendo, sem forças para mover os pés "de chumbo" ! Na guarita, o porteiro saiu para questioná-lo... "porque não entrava logo" ?! Francolônio "despertou" da pasmaceira em que se encontrava para explicar que viera declamar "nu porgama di dona Rigina".

-- "Pode entrar, senhor, mas só calçado... de chinelo não vai" !

-- "Mas a senhora ali está de sandália"!, replicou irritado consigo mesmo, por não ter vindo de sandália "franciscana".

Retirou da maleta surrada sapato mais surrado ainda, do tempo em que Belém se assinava "do Grão-Pará" e os bondes circulavam pelas Travessas e Passagens, que rua é coisa de "gente de fora". Havia outro problema, lhe faltavam as meias.

-- "Não uso meia, dá "chulé" e isso é um MOCASSIM" !

-- "Meu caro senhor, sem meia não entra, está no Regulamento"!, retruca seguro de si o porteiro, qual São Pedro, dono da situação e do ingresso no prédio. Convocou-se dona Regina, que acionou o diretor geral, que fôra pego pela esposa com mancha rósea estranha na camisa amarela, justo naquela segunda-feira, primeiro de agosto. Chegara tarde da noite em casa, a "farra" foi boa ! Definitivamente, aquele não era um bom dia !

-- "Meu senhor, tenho que dar exemplo aqui" ! (Lembrou da camisa e engoliu em seco.) Sem meias NÃO ENTRA" !

O velho estava quase aos berros na portaria, gente da vizinhança se reunia na entrada, era um vendaval de vexames. Dona Regina aproximou-se do sujeito e discretamente lhe enfiou na mão nota de 10 reais, sugerindo aos sussurros que fosse comprar 1 par de meias numa loja próxima, do outro lado da rua, aliás, Travessa... ou seria Alameda ? Nem vou falar da confusão que o matuto aprontou na loja, queria meias laranja, a cor da Sorte para êle. Voltou com vermelhas que, sob a calça "pescando siri", lhe davam o aspecto de maguari faminto.

Solucionado aquele problema, criou-se outro... no elevador êle não entrava "nem morto" !Felizmente havia escada no belo prédio da emissora, moderníssimo, e tudo se resolveu.

-- "Vá para o "aquário", senhor, o técnico de som quer ver como fica a sua voz" !

-- "Não sou peixe, querida, sou gente... e minha voz não é para ser vista, é para ser OU-VI-DA" !

"Seu" Francolônio só declamava aos berros -- para a floresta inteira ouví-lo -- e não houve jeito de fazer diferente, tornando a gravação completamente imprestável. "FrancASTRO, o astro das vastidões" jamais soube que sua viagem se tornou inútil e seus versos não ecoaram pelas ondas hertzianas da Cultura FM. Para fazê-lo declarar o singelo "poeta paraense" após cada poema foi outro drama... era Açuense dos fios de cabelo à unha dos pés cansados e, no máximo, admitia-se "poeta da Amazônia" porque a Região era a fonte maior de sua inspiração.

Dona Regina Silva riscou "do seu caderninho" os poetas todos, na sua Agenda agora somente contistas e cronistas, ela "divorciou-se" da Poesia. E não voltou mais ao igarapé antigo, tem receio que o "doido" -- ainda que falecido -- possa querer visitar a Rádio. DEUS ME LIVRE !

"NATO" AZEVEDO (em 3/agosto 2021, 5hs)

OBS: homenagem (?!) à jornalista REGINA SILVA, pelo gentil convite para declamar meus versinhos na Rádio CULTURA FM, de Belém, nesta gloriosa segunda-feira, 1º de agosto do mês "do cachorro louco".