O RAIO

O RAIO DE LUZ AMARELA

O dia começou cedo para Raimundo Nonato. Assim que o sol clareou, Nonato se pôs em pé para preparar os detalhes para o ritual do raio. Depois de longos anos de pesquisa e iniciação, Raimundo se sentia confiante para fazer a magia dos sete raios sagrados. O relógio dizia que era hora de começar a fazer o círculo mágico e o triângulo das evocações. Com uma pemba branca o rapaz traçou o círculo, pôs sua mente em Deus, e fixando o pensamento Nele repetiu as palavras sagradas de preparação do santo círculo e depois baixou a cabeça e pensou em seu filho Carlos.

Carlos havia ido para o estado do Amazonas. O jovem sergipano nem pensou duas vezes para pegar o emprego numa empresa Madeireira localizada em Manaus. Carlos terminou o segundo grau e se tornou um concurseiro. Pouco tempo depois seu pai se despedia dele no Aeroporto de Aracajú: “Vá com Deus meu filho”.

A preocupação de Nonato era sobre o paradeiro de seu filho. De uma hora para outra Carlos parou de se comunicar. Ninguém da empresa dava informações sobre ele. Era sempre a mesma coisa: “Carlos foi fiscalizar no interior e não respondeu mais”. A empresa dizia não saber de nada. Algumas pessoas que estavam no local disseram que ele entrou em uma mata fechada e não se comunicou mais. Fizeram buscas no outro dia e não acharam nada. Chamaram o resgate e nada. Para Nonato, Carlos estava vivo, para a Madeireira Alagoinhas Calos estava morto, pois a mata era muito perigosa, cheia de animais selvagens.

“Meu Deus eu creio que meu filho está vivo quero ir até ele”. Raimundo acendeu a vela do Norte, do Leste, do Sul e do Oeste. Saudou os quatro anjos e foi riscar o triangulo das evocações. Riscou o triangulo com o vórtice apontado para o norte. Em seguida, acendeu as velas e pôs o sigilo dentro do triângulo. Após terminar Raimundo saiu do quarto para se ocupar em outras coisas pois o ritual seria 40 minutos depois.

A cozinha estava vazia como o resto da casa. Assim era a vida de Raimundo Nonato. Uma vida vazia. Raimundo era viúvo. Sua mulher partiu quando Carlos nasceu. Nonato criara o filho sem a mãe. Quando o rapaz decidiu ir para o Amazonas Raimundo ficou muito triste, mas se recuperou com a ideia de que seu único filho e companhia estava lutando pela vida: “Mas por que tão longe meu Deus?” O vendedor aposentado de carros se acostumou com a solidão de seus dias e se consolou com a partida de seu filho. “É para seu bem”.

Nonato fez um café e sentou-se à mesa para toma-lo. Nonato estava confiante que o ritual ia dar certo. Cada golada de café era um suspiro de esperança para encontrar seu filho. “Se eu entrar em contato eu vou para Manaus”. Nonato andou pela casa e pelas fotos de Carlos. Lembrou-se dos dias quando o rapaz era um garotinho que brincava com ele no jardim da casa. Nonato também se lembrou dos dias em que seu filho único aprendia a andar de bicicleta. Reviu suas quedas e vitórias, suas lágrimas e suas risadas de conquista: “Pai! Viu que eu consegui andar sozinho?”

Às nove horas Raimundo Nonato entra no círculo mágico com sua baqueta e vestes especiais. O homem estava vestido de branco com seu rosário no peito e filá na cabeça. Segurando a baqueta na mão direita ele conjura os anjos do círculo e do triângulo a trazerem até ele o raio de luz amarela. E o raio desceu e o atingiu na face e no corpo. A proporção que o raio tomava seu corpo Nonato é erguido do chão e flutua no círculo mágico que se expande de forma misteriosa levando o mago numa viajem pelo o espaço e o tempo.

Nonato não via mais o quarto, nem a casa, nem seu quarteirão, ou o bairro. O círculo de pemba se transformou num círculo de fogo que se elevava do chão e rompia o espaço quem sabe o tempo. Do círculo ele via muitas pessoas todas moradoras de lugares diferentes e ele se quisesse podia falar com elas. Nonato finalmente se interessa por falar com um homem que estava numa encruzilhada de mata. Era uma mata aberta; as pessoas podiam ver a distância. O homem da encruzilhada era um homem negro que segurava um ciscador na mão esquerda:

“Moço, que lugar é este?” O homem encheu o peito antes de responder: “Você está na minha encruzilhada”. “Claro que eu sei que aqui é uma encruzilhada. Mas eu quero saber é o nome do lugar”. O moço do ciscador foi para o centro da encruzilhada e disse: “Aqui é todo lugar e lugar nenhum”. Nonato entendeu que falava com alguém muito especial; um guardião dos caminhos. “O senhor pode me mostrar a estrada que leva até meu filho Carlos?” O homem do ciscador baixou a cabeça e disse. “Lamento, mas deves procurar mais além. Aqui você escolhe um caminho e este não posso dizer”. “Como assim amigo?” “Como saberei o caminho certo?” “Existem muitas estradas”. O homem da encruzilhada deu um giro em torno de si mesmo e sumiu num redemoinho. Raimundo ficou a ouvir a sua risada enquanto ele sumia.

O círculo mágico seguiu a esquina norte da encruzilhada; pouco tempo depois Nonato estava numa aldeia de índio. “Agora cheguei ao Amazonas”, pensou consigo mesmo o sergipano. A aldeia ficava na margem de um rio. Era uma pequena povoação nas proximidades de Manaus. Todos os seus habitantes tinham sangue indígena. Raimundo Nonato foi ter com o ancião: “Meu amigo você é o homem do raio amarelo. As águas te saúdam!” Disse o velho ancião a Nonato. Nonato não sabia que o raio podia ser visto. Entretanto ele viu que se tratava de um Xamã. “Estou aqui em busca de meu único filho”. Disse Nonato ao homem. “Estas matas são traiçoeiras moço. Quem nelas entra não tem certeza que volta”. “Meu filho tem um mês que entrou no mato e nunca mais foi visto. Vocês, por acaso, sabem de alguma coisa?” “Não moço!” “Talvez o pajé que mora numa caverna na cachoeira Véu de Noiva possa te ajudar. Dizem que ele sabe de tudo”. “Pra que lado fica?” Perguntou Nonato ao homem. “Siga o norte”. Nonato se despede do místico e segue rumo ao norte.

O círculo mágico leva Nonato até o pajé. A cachoeira cobria a entrada da caverna. Nonato sai do círculo e entra. O lugar era todo iluminado por tochas que ardiam nas paredes. Nonato entra num lugar que parecia uma sala. No canto esquerdo tinha uma rede armada e nela a figura de um homem. “Ô moço!” Nonato desperta o pajé. “Ah, é Raimundo Nonato de Sergipe”. Nonato se admira com a vidência do homem. “Sim, meu amigo pajé; sou eu”. “Veio em busca de Carlos num foi?” “Sim”. O pajé se levanta e caminha com Nonato até a frente da caverna onde a cachoeira cujas águas caíam celeremente fazia o seu barulho: “Nonato deve estar em Sergipe” Disse o pajé Pindoba. “Como assim?” Perguntou espantado o velho Raimundo Nonato. “É bem verdade que ele se perdeu nas matas, mas, ele encontrou o caminho de volta”. “Mas eu liguei para ele diversas vezes e me disseram que ele havia se perdido”. “Quem sabe o senhor perdeu a fé e deixou de ligar”. “Eu num perco a minha fé jamais moço”. “Será?” Replicou o velho pajé Pindoba.

Raimundo era um homem de fé. Na adolescência ele foi católico, na mocidade protestante, e na idade madura umbandista e mestre de pemba. Nonato havia lido os livros sagrados e grimórios da magia universal. Sem dúvidas ele era um homem de muita devoção ao sagrado. “O amigo deve estar enganado”. Disse Nonato ao homem com um tom de surpresa. “O senhor perdeu sua fé”. Insistiu o pajé. “Mas como assim moço?” “Num diga isso não”. “O senhor procura por seu filho aqui; seu filho está em casa em Sergipe”. “Como assim?” “Eu venho de lá e ele não estava lá”. “Por isso que eu digo que o senhor, seu Nonato, perdeu a fé”. Nonato saiu da caverna e não encontrou seu círculo mágico e nem o raio estava mais com ele. Nonato ficou pela primeira vez com muito medo daquela viajem, pois, sem o círculo e o raio ele não podia mais voltar para casa exceto pelas vias naturais. “E agora?” “Pensou o homem”. Nonato perguntou ao pajé qual o melhor caminho para ir a Manaus. Nonato teve de atravessar a mata fechada até encontrar um rio afluente do Amazonas. Pegou um barco para Manaus e de lá tomou um avião para Sergipe.

Raimundo Nonato, o sergipano sem fé, chegou a sua residência às 19 horas. A porta da frente estava fechada mas não trancada. O homem entrou em casa e foi direto para o quarto das evocações. Lá não havia círculo mágico nem triângulo de evocação. “Mas o que é isso?” “Quem apagou o meu círculo?” Nonato ficou intrigado. Foi a cozinha tomar água. Tomou um copo e o pôs sobre a mesa. Nonato senta por um instante para pensar em tudo que havia ocorrido. “Por que aquele homem disse que eu perdi a fé?” “Eu não entendo por que o raio sumiu de uma hora para outra”. De repente o pobre Nonato ouvi risadas vindo do quintal da casa. O homem anda pelo corredor até a porta dos fundos. Abre a porta bem devagar e pela fresta da porta ele vê Carlos e outro homem mais duas mulheres e três crianças. Todos estavam felizes. Conversado e comendo carne assada. Era um dia em que duas famílias se encontravam para celebrar alguma coisa. “Quem são essas pessoas com meu filho?” Raimundo percebe que não é visto pelas pessoas. Tenta se comunicar, mas tudo é inútil. Então Nonato possuído de grande tristeza se tranca no quarto das evocações. Prepara seu círculo mágico e triângulo das evocações e chama o raio amarelo novamente...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 03/08/2021
Código do texto: T7312988
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