Madrugada insone

Eram duas da manhã de uma quarta-feira e a sineta sobre a porta de entrada tilintou, anunciando a chegada de um cliente. Sentada dentro da cabine do caixa, Adela ergueu os olhos do livro que estava lendo, para ver de quem se tratava: era uma jovem morena, mais ou menos da mesma idade dela, de calças jeans surradas e botas de cano alto, uma echarpe de lã cinzenta enrolada ao redor do pescoço e pendendo sobre a frente da blusa preta de mangas longas.

- Boa noite... ou bom dia? - Hesitou a cliente, parada sob a ombreira da porta, mão na maçaneta.

- Depende... se você ainda não foi dormir, eu arriscaria um boa noite - redarguiu Adela com um sorriso simpático.

- Boa noite, então - decidiu-se a cliente, entrando.

Aproximou-se do pequeno balcão ao lado do caixa, onde durante o dia os atendentes despachavam pedidos, e espalmou as mãos sobre ele, olhos postos nas estantes cheias de livros que se sucediam uma após outra, intercaladas por mesinhas redondas cercadas por confortáveis cadeiras acolchoadas. Àquela hora da madrugada, a livraria estava deserta, mas durante o dia e boa parte da noite, sempre havia um fluxo constante de frequentadores aproveitando aquele espaço acolhedor para algumas horas de leitura grátis.

- Você tem "A Vida de Dominik Panek"? - Indagou finalmente.

Adela balançou negativamente a cabeça.

- Infelizmente, não... está fora de catálogo há décadas; mas creio que você pode encontrar arquivos online para baixar...

- Então, vocês não vendem livros usados? - Questionou a cliente, passando as unhas pintadas de vermelho sobre a superfície de madeira do balcão.

- Apenas online, não nas lojas - informou Adela. - Aqui, só temos livros novos. Mas, se você gosta deste tipo de história, talvez eu possa lhe dar algumas sugestões...

A cliente lançou-lhe um olhar ambíguo.

- Livros como o "Dominik Panek"? - Questionou.

- Sim - afirmou Adela, erguendo-se do caixa e caminhando até uma estante próxima. Inclinou-se para pegar um volume de capa creme e o exibiu para a cliente.

- "Atteragram". Conhece?

- Não - admitiu a cliente, aproximando-se. - Do que trata?

- É sobre uma mulher, Margaretta, que através de uma experiência mística, transforma-se na Atteragram do título; Atteragram é Margaretta ao contrário - explicou Adela.

Como a cliente ainda parecia em dúvida, Adela indicou uma mesinha próxima, na confluência entre os setores de referência e não-ficção.

- Que tal se sentar ali e dar uma lida? Se você comprar um café na máquina, pode ficar pelo tempo que quiser.

A cliente pegou o livro das mãos de Adela e lançou-lhe um olhar agradecido.

- Certo, vou fazer isso; agradecida.

Após colocar o livro sobre a mesinha, dirigiu-se à máquina automática encostada à uma parede, grande como um refrigerador, que vendia bebidas quentes em copos de papel. Colocou uma moeda numa ranhura e dali retirou um cappuccino, instantes depois. Sentou-se finalmente e tomou um longo gole, antes de abrir o volume.

De volta ao caixa, Adela assistiu aos preparativos da cliente, até que ela parecesse estar confortável. Depois, cobrindo a boca num discreto bocejo, voltou à sua leitura: "Atteragram", página 67.

Seria bom ter alguém com quem trocar impressões depois, pensou.

- [27-07-2021]