HISTÓRIAS DE URUCARÁ - O CALÇA MOLHADA

Não tem como contar as crianças da minha época que viram ou ouviram falar do Calça Molhada, um fantasma que aparecia nas noites e madrugadas escuras que muitos só ouviam o barulho, quando não, somente um cachorro que lhe acompanha era visto, quase sempre atrás do barulho que fazia, muito parecido um homem andando com a calça molhada.

Na época não tinha luz, a lamparina era a nossa fonte de luz à noite, o jantar era servido às 18 ou 19h, depois lavar as mãos, tomar bênção e cama. Assim era a nossa trajetória, o papai e a mamãe que ainda ficavam no banco do Benjaminzeiro em frente de casa, devido ao calor e carapanãs que tinham muitos, isso até às 22h, quando aparecia algum amigo para conversar. Papai sempre sem camisa e um pano no ombro para bater os carapanãs.

Muita gente em Urucará tem uma história para contar desse fantasma que aterrorizava as pessoas, o Calça Molhada, assim como, do Matim-pererê, da Agoirenta rasga-mortalha, da Velha porca, do Jurupari, das visagens, etc; enfim, no interior são muitas histórias, principalmente nesse período que vivenciei sem luz, telefone, gelo e sem água encanada. Também lembrei do Padre sem cabeça, das almas penadas.

Nós tínhamos uma padaria e acordavámos 1h da madrugada para fazer pão, desde os meus 8 anos ajudava na padaria. Em particular, tenho a minha história para contar do lendário Calça Molhada, lembro que fui acordado para ir à padaria, para chegar na porta da padaria tinha que sair de casa e andar pela calçada, que ficava paralela à rua da frente. Acordei e sentei no batente da porta aguardando o meu irmão para a gente ir juntos, pois estava uma escuridão que nem um breu. Quando percebi, vinha um barulho zá, zá, zá... parecia alguém caminhando com uma calça molhada, quando se aproximou bem na minha frente percebi que era um cachorro que vinha andando, aquilo subiu na minha cabeça, levantei e com mais de mil corri na direção do quarto do meu pai, que acordou assustado. O papai pegou a lanterna e saiu focando pela rua, mas não viu nenhum cachorro, foi um

susto e tanto que nunca mais esqueci.

Éramos meninos e meninas que se reuniam à tardinha, sentávamos na beira da calçada e ficávamos contando histórias. Era uma maravilha, cada um queria contar a sua, que ouvira de seus pais, parentes ou amigos.

Eu ouvi muitas e continuo ouvindo quando vou em Urucará, nas rodadas de amigos ou ali pelo Tabuleiro da baiana. Quase a gente não vê mais o povo reunido por lá, mas de vez em quando aparece um historiador para narrar as façanhas.

Vou me destinar a escrever esses causos que tanto chamam atenção do povo interiorano, o primeiro é esse do Calça molhada. Acredito que quem viveu nessa época, sabe de muitos causos que chamaram a atenção, anteriormente já contei alguns que vou recordar para vocês e continuar dando mais atenção a essas ricas históricas do caboclo interiorano.

A nossa literatura é a nossa vivência cultural, escrever sobre a história de um povo é estar cultivando e divulgando a sua cultura.

Salve os escritores e poetas

Viva a literatura regional

Que de melhor não se tem igual

Manaus, 29/05/2021

José Gomes Paes

Escritor e poeta de Urucará

Membro da ABEPPA e ALCAMA