Central de emergência

As madrugadas na central de emergência costumavam ser tranquilas, haviam me dito, mas a verdade é que pouca gente do turno do dia pedia transferência para as "horas mortas", como eram chamadas.

- O adicional noturno não compensa o aborrecimento - afirmavam.

- Aborrecimento com o quê?

- Aborrecimento - era a resposta críptica.

Mas, com boletos se acumulando, decidi fazer o teste. Afinal, como o supervisor da noite me disse, caso eu não gostasse, sempre poderia pedir para voltar para meu antigo horário. O que ele omitiu, é que eu teria que encontrar um voluntário que quisesse trocar de lugar comigo...

Os primeiros plantões não foram de todo maus. A central funcionava num prédio sem janelas, dentro do qual não era possível saber se era dia ou noite lá fora (os relógios nas paredes poderiam estar indicando as horas num ou noutro período do dia). Havia garrafas térmicas com café para os operadores, mas ele quase sempre estava frio e ninguém parecia estranhar.

- Essas garrafas são enchidas à tarde? Estão com defeito? - Questionei.

- Algumas coisas não funcionam direito aqui dentro - ouvi comentar. - As garrafas térmicas são novas.

Todo tipo de ocorrência estranha acontecia durante a madrugada, como podem imaginar. Pessoas ligavam parecendo estar sob o efeito de álcool, drogas ou transes hipnóticos.

- Preciso que mandem a polícia para a rua das Amoreiras, 37 - uma mulher solicitou certa vez.

Não havia tal rua no mapa, pude verificar; possivelmente, um trote. Mas, antes que eu pudesse responder, o sistema acusou o envio de uma viatura. Eu não havia digitado nada no terminal.

- Essa estação está com defeito? - Indaguei preocupado ao colega na baia ao lado.

- A número 7 é problemática - comentou, sem olhar para mim.

- Acabou de mandar a polícia para um endereço que não existe - insisti.

- Rua das Amoreiras, 37 - replicou, sem sequer desviar os olhos do monitor para responder.

Na tela, a viatura 41 acusou a chegada ao endereço inexistente. A linha estava aberta, mas nada se ouvia. Dez minutos depois, a ligação caiu. No monitor, fui informado que a chamada havia sido atendida e que a viatura 41 estava se retirando.

- Não é a primeira vez que isso acontece - constatei.

- É a terceira vez este ano - confirmou o colega. - Não se preocupe; vai acabar se acostumando.

- Com chamadas de emergência para lugares inexistentes?

- Se houve a chamada, é porque o lugar existe - retrucou com indiferença o colega.

E, aparentemente, apenas a viatura 41 sabia como chegar lá. Eu só esperava que a emergência houvesse sido resolvida em definitivo, ou a mulher ligaria de novo.

Talvez, para pedir uma ambulância, desta vez.

[04-07-2021]