O retardatário

O ponteiro grande no relógio de parede estava lentamente se aproximando de 12; quase 18 h, hora de fechar a loja. Olhei para Madge, que abrira a gaveta da registradora e preparava-se para fechar o caixa. Ela me devolveu o olhar.

- Faltam dois minutos - lembrou.

Voltamos nossa atenção para a porta envidraçada; e, como se houvesse sido conjurado pelo nosso olhar, um homem surgiu por trás dela e a empurrou ligeiramente, fazendo soar a sineta. Madge e eu suspiramos, em uníssono. Ultimamente, aquilo vinha acontecendo mais do que gostaríamos.

- Posso entrar? - Indagou o estranho, um homem alto, de meia idade, terno bem cortado. Ficou ali parado com a mão na maçaneta, um sorriso franco no rosto.

Madge olhou para mim; olhei para o relógio na parede: faltava um minuto para terminar o expediente.

- Seja bem-vindo, senhor - saudei-o num tom protocolar.

- Muitíssimo grato - redarguiu o cliente, entrando finalmente e aproximando-se do balcão atrás do qual eu estava.

- Só preciso de um item - prometeu ele, mãos espalmadas sobre o balcão. - Um daqueles espelhos côncavos, com pedestal, que as mulheres usam em maquiagem.

- Sim, temos alguns modelos - repliquei, apontando para a seção de acessórios de beleza, no fundo da loja. - Naquela estante, junto da parede.

- Grato - disse ele, encaminhando-se para lá. Havia acabado de curvar-se para examinar as opções, quando a sineta da porta soou novamente. E só então, eu e Madge nos lembramos de que ainda não havíamos pendurado o aviso de "fechado" na maçaneta.

Era um rapaz de cerca de 20 e poucos anos, vestido com jaqueta e calças jeans, uma camiseta com a arte de uma banda de heavy metal. Olhou para mim e Madge por sobre os óculos escuros - algo estranho, já que o crepúsculo havia caído sobre a cidade.

- Estamos fechados, senhor - alertei.

- Não vi nenhuma placa na porta avisando - retrucou em tom insolente.

- Já íamos colocar - Madge manifestou-se, lá do seu cubículo.

O recém-chegado olhou ao redor e seus olhos se detiveram no primeiro cliente, que acabara de se erguer por detrás da estante da seção de acessórios, uma embalagem de espelho na mão esquerda. Ambos trocaram um olhar, que não me pareceu nada amistoso.

- Vocês não estão atendendo esse outro cliente? - Questionou o recém-chegado, erguendo a voz. - Então podem me atender também!

- Ele chegou antes das 18 h - informou Madge, erguendo-se da cadeira do caixa.

- Creio que você já ouviu as garotas - o primeiro cliente veio caminhando vagarosamente em direção ao balcão. - Não vão atender mais ninguém hoje.

- E é você quem decide isso? - Questionou o recém-chegado, com desprezo.

O primeiro cliente não disse nada; apenas aproximou-se do rapaz, e segurando-o pela jaqueta com a mão livre, ergueu-o a meio metro do solo, como se fosse feito de papelão.

- Você duvida? - Indagou, calmamente.

- Me põe no chão! - Gritou o rapaz esperneando.

O homem soltou-o e ele veio ao chão, apoiando-se nas mãos para não se ferir. Ergueu-se, lançou um olhar furioso para nosso cliente e saiu correndo da loja.

- As intenções dele não eram nada boas - advertiu-nos o cliente. - Se o virem novamente, melhor chamar a polícia.

Eu e Madge apenas balançamos as cabeças, assustadas demais para dizer qualquer coisa. O homem colocou a caixa do espelho no balcão e eu a repassei para Madge. Ele pagou o valor exato, e em dinheiro. Recebeu a compra numa sacola e desejou-nos boa noite ao sair.

- É melhor colocarem aquela placa agora - sugeriu, antes de passar pela porta.

Madge e eu sacudimos novamente as cabeças. Quando ele saiu para a noite lá fora, corri para a porta e coloquei a placa de "fechado", além de dar duas voltas de chave na fechadura. Respirei fundo.

- O que foi aquilo? - Indaguei, olhando para Madge.

- Não se fazem mais cavalheiros como esse hoje em dia - comentou com ar sonhador. - Só tem uma coisa que não entendi...

- O que seria? - Inquiri, aproximando-me do cubículo do caixa.

- Para quê um vampiro iria querer um espelho côncavo? - Replicou, testa franzida.

- [24-05-2021]