Depois do Natal: um conto pra não ser lido à noite (cap VIII - CONHECENDO O MAR)
O desespero da mãe não era gratuito e não se devia somente ao fato da preocupação de uma mãe com o que poderia estar acontecendo com seus filhos. Seu desespero vinha de um trauma originado em um de seus primeiros passeios de férias, quando ainda era uma menininha.
Aconteceu que ela, também levada por seus pais, fazia um passeio pelo litoral do estado. Para conhecer o mar, dissera o pai, quando anunciou a viagem.
- Quando chegar lá quero ver se a água do mar é salgada mesmo – diz a alegria desenhada no rosto do irmão mais novo.
Viajaram.
Passaram por alguns pontos pitorescos do estado, admirando a paisagem, dirigindo-se ao litoral.
O pai já havia providenciado tudo: alugara uma casa. Por isso, no porta-malas do carro levavam, além das roupas, alimentos e outras coisas que poderiam ser úteis, como duas redes, cadeiras, duas boias para as duas crianças; também uma porção de coisas completamente inúteis
A chegada, como dá para imaginar, foi uma festa só. As crianças pulavam e batiam palmas, de alegria.
- Vou nadar no mar! – o irmãozinho não se aguenta e dispara em direção às ondas.
- Cuida de seu irmão – grita o pai, enquanto descarrega as bagagens na frente da casa alugada.
Os dois irmãos param.
A majestosidade do mar, com suas barulhentas ondas pede uma reverência: silenciosa, no caso dos dois irmãos que, embevecidos olham para a curva do horizonte verde azulado, límpido como um dia de sol.
Lentamente o menino se dirige para as ondas. Para e espera que a língua de uma onde lhe acaricie, numa lambida violenta, os pés.
Abaixa-se e toca a água, com as mãos emocionadas.
Leva a mão umedecida à boca e grita:
- É salgada!
A menina repete seu gesto, confirmando a salinidade da água marinha.
Com a alegria vem, também, o primeiro susto. Uma onda mais impetuosa pega os dois de surpresa: molha-os completamente, tirando-lhes o equilíbrio. Caem e rolam pela areia.
Estão batizados pelo mar!!!
Voltam para junto dos pais, completamente molhados. Os pais ainda estão arrumando as bagagens retiradas do carro, distribuindo-as pela casa, pela cozinha, pela sala, pelos quartos...
Feito isso é o pai que propõe:
- Vamos entrar um pouco na água. Aproveitar o resto da tarde. Depois a gente vai fazer um lanche naquela lanchonete ali da frente.
A mão concorda, meio relutante, mas as crianças não esperam uma segunda chamada e já estão trocadas, com suas roupas de banho e saem na frente. Os pais vêm logo a seguir, com o cuidado da mãe sempre lembrando: Cuidado!
Entram na água.
Pulam ondas
Deixam-se envolver pela alegria.
Mas há um descuido.
O menino, sempre mais afoito, aproxima-se das pedras do costão. Tenta escalá-las. Novamente a mãe:
- Cuidado! Você pode cair nessas pedras e se machucar!
Realmente o menino escorrega e arranca um grito da mãe. Ele não chega a cair, mas a mãe, na angústia do medo de perder o filho, se desequilibra. Cai e bate com a cabeça numa pedra.
Está desacordada quando cai nas águas que agridem as rochas. O verde azulado das águas fica manchado de vermelho.
É retirada ainda com vida de dentro das ondas que imperturbáveis continuam agredindo dos rochedos, num misto de guerra e paixão.
Foi assim que terminou sua primeira viagem de férias no litoral. Terminou com a viagem de regresso, levando a mãe para ser sepultada em sua cidade, ao lado dos parentes.
(Continua na próxima semana....)
Neri de Paula Carneiro
Rolim de Moura – RO
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