A guardiã da praia
Nem ouvia mais o barulho do mar.
Há centenas de anos, havia sido capturada e presa naquela praia. Era supostamente sua guardiã.
A guardiã da praia.
Não de todas as praias, só daquela.
Sua cela ficava depois de uma escada simples de madeira, castigada pelo tempo. Uma grade de ferro mantinha as pessoas longe dela, mesmo que pudessem observar sua imagem.
Mas o que a prendia lá de verdade era um feitiço.
Ainda se lembrava de como era ser livre, correr pelos campos, sentir o sol na pele, mergulhar na água gelada do mar.
Agora só observava. Continuamente. Nem ouvia mais o barulho do mar.
O feitiço só seria quebrado por aquele que reconhecesse que além daquela imagem dura e imóvel, havia uma alma aprisionada.
Ninguém nunca reparava.
Iam lá, colocavam oferendas. Flores, frutas, colares, velas. Nada de que ela precisasse. Nada que quisesse.
Pediam coisas. Nada que ela pudesse atender.
O que mais doía era a solidão.
Ninguém realmente a via, ninguém se importava.
Quando percebeu, ele estava lá, olhando para ela. Celular na mão. Procurando alguma coisa, ou alguém.
Seu coração disparou, a boca secou. Seria esse o momento? Ele veria realmente além da imagem?
Esperou, ansiosa.
Ele subiu os degraus. Olhou em volta, foi até ela, olhou demoradamente a imagem. Dava para ver sua imaginação borbulhando.
Ela gritava para ele, fazia gestos com os braços, com lágrimas nos olhos e desespero na voz.
Ele se virou, desceu até metade da escada, posicionou o celular, procurou um bom ângulo, que não enquadrava a imagem, tirou uma foto.
Olhou satisfeito. E foi embora.
E ela mais uma vez foi ignorada. Só uma santinha qualquer.
Naquela noite chorou como nunca tinha chorado e por coincidência ou não, uma tempestade agitou o mar com tal fúria, que suas águas arrombaram a grade e levaram para longe a imagem.
E ela foi junto.
Embalada e acolhida pelo mar