EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

   Aquelas flores eram bem conhecidas, essas imagens ficaram bem nítidas em minha mente quando me vi diante de um jardim florido e ao mesmo tempo convicto de que jamais estive ali. O que estaria acontecendo? Onde estaria eu? Também não sabia responder. Acariciei aquelas flores e a cada toque o seu perfume invadia as minhas narinas, eu podia sentir a suavidade das pétalas, era extraordinariamente um clima de satisfação e alegria sem limites. Era uma tarde linda, o céu deixava transparecer um azul nunca visto por mim, era um azul bem mais acentuado com poucas nuvens brancas, me senti como se estivesse flutuando. Inexplicavelmente fui me afastando do jardim, confesso que gostaria de ficar ali mais tempo e poder apreciar tamanha beleza natural, mas não dependia de mim. Afastei-me sem poder sentir os meus passos, dava a impressão de que estava parado, porém o jardim ia se distanciando até sumir de vez.

   Uma porta se abriu e fui praticamente empurrado para dentro de um prédio imenso e antigo, seu estilo era colonial, tinha vários pavimentos superiores, haviam algumas pessoas dentro dele, na parte térrea. Caminhei alguns passos e parei diante de telas, pinturas extremamente lindas, eram imagens de belas mulheres, de natureza morta e de árvores e animais. Fiquei extasiado com a cena, assim como as outras pessoas ao meu lado. Identifiquei que estava em uma espécie de museu, pois ali também existiam objetos estranhos e estátuas com vestimentas esquisitas. Atentei para os homens e mulheres ali presentes, eles usavam trajes não compatíveis com a atualidade, a minha atualidade, elas estavam com lindos vestidos longos, chapéus e seguravam sombrinhas coloridas. Algumas ostentavam belíssimos penteados, outras escondiam os cabelos com véus negros ou de cores escuras. Estaria eu visitando um tempo diferente do meu? Era inacreditável tudo o que presenciava naquele local desconhecido, eu nem sequer sabia a razão de ali estar.

   Ao sair daquele museu me deparei na rua com pessoas nos mesmos trajes, fiquei inquieto e parei diante de uma aparente banca de revistas e jornais. As pessoas pegavam suas revistas de preferência, pagavam e iam embora. Alguns homens usavam chapéus e bengalas, estavam metidos em seus ternos elegantes, alguns bem alvos, pegavam o jornal, passavam uma vista e pagavam, retirando-se em seguida. Fiquei por alguns minutos só observando esse movimento e o que se passava nas redondezas. Os prédios eram todos antigos, tinham uma aparência fenomenal e pinturas dinâmicas, eram assombrosamente perfeitos e de uma beleza espantosa. Foquei no senhor que era o dono da banca, peguei um jornal e me pus a olhar a fachada do mesmo. Me espantei e quase desmaiei com o que vi. O título do jornal era "Gazeta do Rio de Janeiro" e ostentava a data de 10 de setembro de 1808. Minha vista embaraçou e eu saí dali apressadamente sem destino, não sei como não tropecei e caí, parei em uma praça com falta de ar e sentei-me em um banco. Como pode?  - pensei alto - se estamos em 2021? Tentei abordar algum transeunte, em vão, eles pareciam me ingnorar, me senti como se não existisse. Ainda tonto depois do esforço de me levantar do banco, percebi que minha vista escurecia, o que me fez voltar para o banco, foi então que tudo apagou.

   Já estava anoitecendo quando voltei a mim, já estava em outro lugar, era um descampado, eu via cavaleiros montados em seus belos animais como se estivessem numa competição. Bandeiras coloridas estavam dispostas por um caminho que tudo indicava ser uma espécie de "pista de corrida".  Foi dada a largada e os cavalos partiram em disparada, o problema é que eu estava no caminho e sem forças para uma reação qualquer, imaginei que iria com certeza ser atropelado. Os animais passaram por mim deixando uma nuvem de poeira e milagrosamente eu permaneci intacto, não sofri um arranhão sequer. Foi aí que vi uma platéia que aplaudia efusivamente os cavaleiros ostentando pequenas bandeiras. Tentei me aproximar do local e vi soldados "tipo romanos" enfileirados como se montassem guarda. Uma espécie de aviso indicava o evento que ali acontecia, era uma placa em dizeres italianos que conclamava os participantes para uma grande corrida e a data estava bem visível: 12 de novembro de 1830. Mais uma vez fiquei com a mente confusa e fui em direção de um dos soldados. Quiz argumentar alguma coisa, mas ele simplesmente me ignorou. Tentei agarrar seu braço com firmeza, mas o impossível aconteceu: minha mão transpassou seu corpo, momento em que senti uma tontura e caí.

Acordei debaixo de uma forte chuva, caminhava por uma rua que eu conhecia bastante, duas pessoas me seguravam e me perguntavam se eu estava bem. Todo ensopado fui colocado embaixo de uma marquise e quando a chuva passou me informaram que eu havia sido atingido levemente por um raio. Me dei conta da realidade, tudo ficou bem claro, tinha largado do trabalho e parei em um bar para tomar algumas cervejas. Vendo que ia chover me apressei para chegar em casa, momento em que o toró teve início.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 11/04/2021
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