Depois do Natal: Um conto para não ser lido à noite (cap V - Na rodoviária)
O marido, nessas alturas, estava pagando a garrafa de água. Viu o ônibus se afastando e saiu gritando atrás. Mas, evidentemente, não foi ouvido nem foi possível alcançá-lo.
Parou!
Sem poder acreditar no que via, viu o ônibus desaparecer na esquina: Mil e uma cenas e lembranças e dúvidas e apreensões apareceram e passaram pela sua cabeça.
Desolado, com a garrafa de água numa mão e a carteira de dinheiro, na outra, não percebeu o que se passava atrás dele…
No ônibus a mulher, já em desespero, começa a chorar.
- Pare esse ônibus, moço, por favor. Isso não é certo. Nós pagamos a passagem. Meu marido só desceu um instantezinho para comprar uma garrafa de água. Falou com o senhor. Não custava esperar... O senhor não esperou, volte pra buscá-lo...
Falou isso e começou a chutar a porta do ônibus. Tirou o sapato e com o salto bateu no vidro do para-brisa, ao lado do motorista.
Milhares de minúsculos cacos de vidro encheram o corredor do veículo juntamente com o estrondo do vidro quebrado.
-A senhora está louca dona? A senhora quebrou o para-brisas do ônibus. Como é que a gente vai viajar, agora?
-Bem, se não dá para continuar a viagem, vamos voltar para a rodoviária. E talvez a polícia esteja lá e eu aproveito para denunciá-lo como sequestrador. Vou denunciar a empresa, no Procon, também.
Voltaram para a rodoviária a fim de que se providenciasse outro ônibus para continuarem a viagem.
A mulher desce, correndo e arrastando os filhos que já choravam sem entender direito o que se passava.
Ela procura pelo marido, mas ele já não estava mais lá.
-Vestido de short azul e camiseta branca, de malha, com um boné do Corinthians... – descreve ela, falando com os taxistas....
-Sinto muito, senhora, não vi!
-Não vi...!
-Não vi! - repete o outro e os demais!
- Não!...
- Não!
- Não...
- .... !
- Vi um homem assim. Ele saiu correndo atrás do ônibus, esse aí com o vidro quebrado. Tava indo por ali, ó - explica o último dos taxistas, um senhor gordo, sujo, bigode amarelado pela idade e pela fumaça do cigarro, que já era como que um acessório ao seu beiço feio e desajeitado, meio torto, parece que entortado pelo peso do cigarro que já se acostumara a ficar naquele canto de boca fétida de nicotina e fumaça.
Ela corre até a esquina que o homem aponta. A menina chorando e o menino ajudando-a a segurar a mão da irmãzinha.
- ... aquele homem disse que viu ele dobrando esta esquina – diz ao filho, comentando a informação do camelô que começava a desmontar sua banca.
- Não vi nada não dona. Mas na hora que o ônibus saiu eu tinha ido tomar um cafezinho lá na rodoviária... Há!, sim... quando voltei alguém comentou alguma coisa sobre um homem assim, desesperado, correndo...
Seguindo informações desencontradas a mulher e as duas crianças vagam por quase meia hora.
De repente é a menina, ainda chorando, que aponta para um vulto, caído num canto escuro duma rua imunda.
Na verdade ela grita
- É o pai!
Amarrado, com a boca amordaçada, é como o encontram.
Continua na próxima semana
Neri de Paula Carneiro
Rolim de Moura – RO
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