DETETIVE "À CHINESA"

DETETIVE "À CHINESA"

As aldeias que circundavam a famosa "Muralha" milenar estavam em polvorosa, um ladrão esquisito visitava as casas de nobres e abastados, deixando o morador solitário morto de forma estranha e sem parte dos seus mais valiosos pertences. A princípio julgaram ser alguma doença nova, corpos endurecido, de olhos arregalados e espuma na boca, parecia raiva canina. Bem depois, tantas foram as mortes de forma igual que concluíram tratar-se de um veneno e vizinhos das vítimas declaravam que um sujeito nada comum passara por aquelas bandas.

Na aldeia de ShengLuck Sholmish, nobre e viúvo, vivendo só com seus periquitos, batem na sua porta. Ao abrir se depara com indivíduo de traços indígenas, bigodinho de malandro, cabelos longos, provavelmente hindu, que pede para falar com êle, pois soube que defendia pessoas, "advogava".

-- "No, no... apenas pesquiso o caso, para descobrir se o acusado tem culpa ou é realmente inocente" !

O chinês, já naqueles antigos tempos, trocava o R por L (e vice-versa) mas era um detetive e tanto, com a mesma perspicácia e acuidade mental do concorrente inglês.

-- "Sou inocente, senhor ShengLuck... vendi uns brinquinhos que achei na rua e agora desconfiam que matei uma princesa para roubá-la, só porque passei pela aldeia" !

Mesmo receoso -- o elemento não inspirava a menor confiança -- o convidou para um chá, de ervas que agiam como cachaça, "abriam a oca" de quem o bebesse. O "indiano" empolgou-se, "abriu o verbo", sem medir as palavras. Era flautista e dos bons, ganhava a vida tocando nas ruas, aprendera no Peru com os incas, seu povo, sua gente.

O artista, cabeça enevoada, cérebro sem controle, deu gargalhadas quando o nobre chinês duvidou que aquele "caninho" multicor era realmente uma flauta.

-- "Não, aquilo tocava "o som da Morte", chamava-se zarabatana, aprendera a usá-la com índios de terra vizinha" !

Tirou da bolsa de couro, que trazia às costas, pequeno triângulo de tubinhos de bambu, unidos por finos fios de embira. Um "micro-órgão" de bolso, se naquele século distante o órgão já tivesse sido inventado. Assoprou-o com o pouco controle que ainda tinha sobre sí... anjos desceram do céu para "cantar" na saleta na penumbra, a luz de cera de abelha perfumando o lugar. O chinês serviu-lhe mais chá e o instigou:

-- "E a "valinha corolida... pala quê selve" ?!

-- "Ah, esperava que perguntasse... já vais ver" !

Tirou de um bolso minúsculo dardo de metal enfeitado de peninhas de passarinho. Colocou-o no fundo do cano, mirou a gaiola dos amados periquitos e soprou com força. O "china" deu um grito... a avezinha caiu do poleiro como fruta podre, em poucos segundos, o dardo cravado no peito.

-- "Pol Confúcio, o que é isso" ?!

-- "O som da Morte"... e apontou a arma letal para o pescoço de ShengLuck.

Prevenido, o chinês tirou do bolso do roupão de seda 2 pauzinhos ligados por corrente de metal, o temido "nunchaku". O bêbado deu risada, nunca vira a peça em ação !

-- "Na China matamos... com isso" !!!

Ainda rindo, levou forte pancada na mão, a zarabatana voou longe... para impedí-lo de levantar do sofá recebeu dolorida paulada nos 2 joelhos, seguida de cacetada na cabeça. Sentiu a corrente ao redor do pescoço e falta de ar, os pulmões ardendo. Ouviu e viu a "lisadinha" do detetive... e partiu para o Inferno !

Sholmish chamou a Guarda Imperial e foi condecorado por sua coragem e sangue-frio. Seu periquito teve enterro de herói nacional !

"NATO" AZEVEDO (em 4/março 2021, 6hs)