O APUIZEIRO, A ÁRVORE ENCANTADA
O APUIZEIRO, A ÁRVORE ENCANTADA
– A COBRA GRANDE DO APUIZEIRO –
“‘Contos Amazônicos’”
Autor: Moyses Laredo
"O apuizeiro é parecido com um polvo vegetal. Enrola-se ao indivíduo sacrificado, estendendo por sobre ele um milhar de tentáculos. O polvo de Gilliat dispunha de oito braços e quatrocentas ventosas; os do apuizeiro não se enumeram. Cada célula microscópica na estrutura de seu tecido, se amolda numa boca sedenta. E é uma luta sem um murmúrio”. Alberto Rangel. Inferno Verde, 1908."
O apuí pertence ao gênero botânico Ficus, da família Moracea. Nesta família estão incluídas espécies muito conhecidas dos acreanos, como a jaqueira, fruta-pão, caucho, caxinguba, gameleira, guariuba, manitê, inharé, pama..., mas nenhum gênero na família Moraceae é tão grandioso como Ficus. São cerca de 850 espécies amplamente distribuídas por todas as regiões tropicais do planeta na forma de árvores lenhosas, arbustos, trepadeiras, epífitas e hemiepífitas.
“A jovem árvore robusta e envolvente, de folhas verdes, é um apuí ou apuizeiro, típica da Amazônia. Em tupi, significa “braço forte”. A semente com certeza foi deixada por algum pássaro em fezes nos galhos da árvore mais alta. Germinou e surgiu uma raiz voraz, que cresceu e se multiplicou rumo ao solo, de modo paciente durante muitos anos. Ao tocar o solo, após ter envolvido o tronco da árvore maior, o apuí ganhou força e seus tentáculos continuam a sugar a hospedeira.” (fonte: Blog do Altino Machado, sábado, 1 de setembro de 2012).
Apuí também é uma cidade no interior do estado do Amazonas. Pertencente à Mesorregião do Sul Amazonense e Microrregião do Madeira. encontra-se ao sul de Manaus, capital do estado, distando desta, cerca de 408 quilômetros. Ocupa uma área de 54 239,904 km². De acordo com estimativas do IBGE, sua população era de 22.359 habitantes em 2020, sendo assim, o trigésimo oitavo município mais populoso do estado do Amazonas e o menos populoso de sua microrregião.
A nossa história se inicia em 1935 quando um padre jesuíta ao chegar para a catequese ou desobriga, (cumprimento de preceitos) naquele lugar, isolado com poucas casinhas, com seus telhados de alumínio, afastadas uma das outras por quase dois quilômetros, que ao longe, refletiam o brilho do sol. Ele vislumbrou sua igrejinha, bem no alto do barranco, em frente ao majestoso rio Amazonas. Trazia no bolso umas sementes de quaxinduba (Ficus insipida), também conhecida como quaxinguba, caxinguba, gameleira, apuí, apuizeiro e figueira-brava, é uma árvore da família das moráceas com propriedades medicinais, mais por isso, que ele fazia questão de plantar nesse lugar escolhido. Segundo o padre, sentiu um apelo muito grande, inexplicável, quando subiu o tal barranco, e como um homem religioso, verteu sua intuição, para um chamado celestial, foi então que confirmada sua vontade, tratou de se apossar da área, que abandonada estava, não tinha proprietário, terra de ninguém, ou terra devoluta, como dizem no interior. Mas Terras devolutas, são na realidade, terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que em nenhum momento integraram o patrimônio de um particular, ainda que estejam irregularmente sob sua posse. O termo "devoluta" relaciona-se ao conceito de terra devolvida. Foi fácil para o padre Paulino, (não confundir com o padre Paolino Baldassari, da Ordem dos Servos de Maria, da paróquia de Sena Madureira), escolheu o lugar e plantou logo, ao redor, as sementes que trouxera, depois, tratou de voltar para pedir doações aos seus fiéis, para a construção da nova Igrejinha, o que de fato aconteceu dois anos depois, ele construiu ali mesmo, onde teve a primeira intuição. Não se preocupou em fazer um estudo de solo, também, não tinha sequer um mestre de obras, tudo foi feito por sua própria orientação, mas a Igrejinha, também era muito simples, só se distinguia de uma casa comum, por uma pequena torre com um pináculo coroado por uma cruz de madeira, que mandou fazer do lado esquerdo da pequena construção, queria dar mesmo esse aspecto.
Depois de inaugurada, encomendou um grande crucifixo entalhado, em madeira, por um senhor cearense que fazia carrancas, quando navegava pelo rio São Francisco, usadas nas proas dos barcos, segundo ele, carrancas davam sorte, assustavam maus espíritos, tempestades, animais perigosos e naufrágios, também os protegiam das mazelas dos rios da Amazônia. O velho cearense, tinha a habilidade de um artesão e como um bom cristão, além de não cobrar nada, fez o seu melhor, usou uma madeira chamada de acariquara (Acari + do tupi, kuára, buraco – buraco do acari), o tronco é fenestrado e acanalado, possui veios grossos percorrendo o caule de forma sinuosa, formando buracos em suas voltas, a imagem final da escultura, resultou sugerir as chagas de Cristo na cruz. A imagem, foi por muito tempo elogiada por todos os que ali frequentavam, dizem até que fez com que a população afluísse mais, à recém inaugurada Igrejinha do padre Paulino.
Assim permaneceu por longos anos, até décadas. Como a população não aumentava, não tinha porque ampliar a Igrejinha. Lá, o padre promovia todos os sacramentos religiosos, fazia casamento, batizados, primeira comunhão, crismava, e dava extrema-unção, etc. Um certo dia, em plena missa de domingo, num dia chuvoso, do rigoroso inverno amazônico que chegou a escurecer o céu, todos sentiram um leve tremor em toda igreja, coincidentemente, no mesmo instante, despencava um feixe de raios nas proximidades, clareando tudo, que até a energia, do pequeno gerador, falhou, e a única luz fluorescente do salão ficou piscando. Ficaram todos quietos nos seus lugares, a Igreja estava lotada, o povo da região vinha somente aos domingos, porque o padre só podia vir nesse dia. No interior, são acostumados com muitos raios, a incidência é enorme na Amazônia, maior do que no resto do País, por isso, ninguém entrou em pânico, só uma pequena coisa os deixou cabreiros, porque a Igreja se tremeu tanto?... até “andou” um pedaço, apostou o seu Sevirino, com o compadre Nezim, sentados no último banco, - Qué vê? Disse o cumpadre. Terminada a missa, e passado a chuva, saíram para o terreiro, conferir a aposta, o seu Sevirino olhou e não notou nada, mas o cumpadre Nezim sim, chamou o amigo e disse: - “Homi, olhe bem aqui, apontando com o seu chapéu, a gente via o apuizeiro daqui dessa janela, veja agora onde ele está”. O seu Sevirino chegou pra perto, empurrou os óculos com o dedo, para o final do nariz, olhou prum lado, depois pro outro, e disse: - “Mais num é meu cumpadre, que o bicho andou mesmo!” Os dois, “macaco-velho-do-cú-pelado”, (expressão que indica longos anos de experiência de vida na mata), se entreolharam e não disseram mais nada, mas sabiam que coisa boa não era. Achavam, cá com eles, que o apuizeiro é que tinha andado, mas como? Isso era impossível, nunca tinha ouvido falar que apuí andasse, temeram falar com os outros, mas ficaram de conversar depois, marcaram ir lá com véi Dandão, um ermitão que morava só e que já passava dos 100 anos, até ele mesmo perdeu a contagem. Encontraram o véi fazendo uma coivara, queria plantar milho, o tempo de chuva era bom, ainda se achava forte pra sua idade. Quando viu os dois chegarem, já foi botando o bule no buraco da chapa, para esquentar o café, plantado, torrado e moído por ele, porque sabia que ia ter prosa, os dois nunca pisavam ali. Foi dito e certo, a conversa começou como o de sempre, - “E aí véi, tudo de bom?” o outro acrescentou, - “Viemos se acunversar um pouco”. O véi Dandão, já imaginando qualquer coisa, apontou com o cabo da enxada pro rumo da cozinha, e seguiram todos pra lá. Sentaram-se e o cumpadre Nezim começou perguntando ao véi, enquanto ele buscava o bule de esmalte, de café, já quente..., se ele acreditava que apuizeiro andava, o véi parou, ainda com o bule na mão, e disse, - “Cuméque é seu minino?” – “É isso mesmo véi!”, atalhou seu Severino – “A gente só não viu ele andar, mas que saiu do lugar, saiu sim!” – “Homi, me conta isso direitinho, porque eu nunca tinha ouvido falar disso não, e olhe, que eu já vi muita gente nascer e morrer aqui nessas bandas”, os dois acabrunhados começaram a contar a história do comecinho, depois o véi, tirou o chapéu, coçou a cabeça o que fez espalhar um fuá medonho sobre a mesa (pó fino da descamação da pele – mas conhecido como caspa), os dois se afastaram para não respirar aquilo, mesmo assim, o converseiro se amiudou, o véi queria saber de mais coisas, ele sequer sabia onde estava armada a Igreja do padre Paulino, depois de tudo contado e recontado, o véi, pensativo, levantou o queixo, firmou o olhar nos dois e disparou,- “Só pode ser a Boiuna que mora lá debaixo”, pra quê!,...os dois se arrepiaram na hora, - “ Mas como véi, a bicha pode mover o apuizeiro inteirinho sem mexer a terra onde ele está plantado?” O véi respondeu, - “E quem disse que foi o apuizeiro que se mexeu?” ...- “E não foi?” disseram os dois, quase ao mesmo tempo. O véi atalhou em seguida, - “Foi nada, quem se mexeu foi a Igreja do padre!” O apuizeiro com suas raízes longas e profundas, que se agarram a tudo debaixo da terra, que nem reza braba consegue mexer ele dali. Pronto, estava completado o mistério, mas que diacho, se o apuizeiro não se mexeu, então quem se mexeu foi a Igreja? Os dois pensaram alto...e sem esperar a pergunta, o véi completou, vocês vão lá, por trás da Igreja, procurar os rastros dela no chão, e vão ver se tem rachaduras na terra, porque, por onde ela andou, fez a terra se rachar toda. Os dois homens saíram com mais dúvidas do que chegaram, foram direto conferir as tais rachaduras no solo dita pelo véi, e qual foi a surpresa, as marcas estavam lá no chão, o início dos rastros tinha engolido, os canteiros de cheiro verde e tomate do padre, todinho e olhe que não era pequeno, só deixou no lugar, uma imensa valeta e bem funda. O padre, já nos seus oitenta e uns, não tinha visto ainda o estrago do rastro da boiuna no seu quintal. Os dois homens, se apressaram, queriam ter uma conversa reservada com o padre antes dele ir embora, não queriam assustar a população, ainda bem que a Igreja só funcionava aos domingos e até lá, eles tinham uma semana para contar para o padre. Nessa mesma tarde, o padre embarcou para Manaus, onde era de fato a sua paróquia, nem chegou a ouvir o relato dos dois, que ficaram sem ter o que fazer diante da constatação da boiuna “morar” debaixo da Igreja.
Os dias se passaram, e os dois em angústia, conversavam todas as noites sobre o causo, mas não sabiam como agir, aguentariam a chegada do padre para poder ver o que ele faria. Mas nesta noite, o pior aconteceu, de repente, sem aviso nenhum, ouviu-se um estrondo mais medonho desse mundo, correram todos para fora de suas casas, embora distantes umas das outras, mesmo assim, o estrondo foi ouvido. Seguiram com suas lanternas na escuridão, para o local onde achavam que o barulho tinha vindo e para surpresa de todos, a igreja havia sumido totalmente, levou inclusive o barranco junto, deixou no lugar, um enorme vazio como um grande tobogã. A boiuna, tinha ido para o rio, deixou aquele lugar de vez, fez morada pra mais de 50 anos. Cuidaram de avisar o padre por telefone, que ao saber da notícia, já cansado e querendo uma folga, aproveitou a deixa, e respondeu que já sabia da cobra grande. Mentira, o coração dele desembestou aos pulos, pensou que poderia estar dentro da Igreja, ele até parou um pouco de falar, pigarreou, mas como um bom padre do interior, rebateu que a mantinha quieta sob reza forte, e que por isso tinha ido rezar com o bispo na Matriz para que ela fosse embora. Mais um causo pra conta!