Me mandem de volta

Para surpresa de todos, o Arrebatamento havia acontecido no dia anterior, mas as coisas não ocorreram conforme o esperado. Sally olhou ao redor, no salão preenchido com cadeiras de alumínio dobráveis, e viu pouca gente ali, com expressões tão aturdidas quanto a dela.

- Que lugar é esse? - Indagou de forma retórica.

Uma mulher, duas cadeiras à esquerda dela, sentiu-se compelida a responder:

- É uma Central de Triagem, pelo que está escrito na faixa - e apontou para a parede da frente do salão.

Abaixo da faixa, havia uma escrivaninha e uma cadeira, vazios. Finalmente, surgiu um homem de terno escuro, entrando por uma porta à direita do fundo do salão. Ele segurava um microfone sem fio. Parou atrás da escrivaninha, e ainda de pé, indagou:

- Todos podem me ouvir?

Não esperou uma confirmação e continuou a falar.

- Lamentamos por qualquer transtorno causado, mas o timer do Arrebatamento é ativado de modo automático. De qualquer forma, não irão ficar aqui muito tempo.

- Apenas nós fomos considerados dignos de serem arrebatados? - Indagou a mulher que falara com Sally, parecendo muito orgulhosa de si mesma.

O homem com o microfone fez um gesto negativo de cabeça.

- Os procedimentos mudaram; agora, a seleção é aleatória. Significa dizer que qualquer um pode ser trazido para a Triagem, mesmo que sua vida não tenha sido lá muito virtuosa.

Diante das expressões chocadas, prosseguiu:

- Não deveriam surpreender-se; afinal, tudo já está predeterminado, desde o início dos tempos. Quem será considerado digno? Não cabe a nós, da burocracia, determinar.

Olhou para os presentes, e concluiu:

- Infelizmente, desta vez nenhum de vocês vai subir para o próximo nível. Nós os estaremos mandando de volta em poucos instantes; quando acordarem, terão a impressão de que sonharam com tudo isso.

A mulher à esquerda de Sally baixou a cabeça e a apoiou na palma da mão, aparentando desânimo.

- Melhor mesmo ninguém saber disso - murmurou.

- Eu prefiro mesmo estar lá embaixo - comentou Sally, de si para si.

Olhou para o teto do salão e pôde ver as estrelas, num espaço negro e sem fim. Sim, lá embaixo era mais acolhedor.

- [26-12-2020]