Memento

Ela começou a perceber quão fundo na memória havia enterrado seus anos de juventude, ao descobrir-se incapaz de responder uma pergunta simples, sobre o que gostava de fazer com seu tempo livre naquela época.

- Sempre fui muito caseira - tergiversou. - Acho que lia muito... e estudava.

- Não ia à festas, não tinha amigos, atividades esportivas, essas coisas? - Lhe indagavam.

- Não... nada... eu realmente não me lembro - respondia, começando a ficar assustada com o vazio que tinha na cabeça.

Nunca conhecera o pai, a mãe dizia que ele havia morrido quando ela era muito pequena, sem lhe dar maiores detalhes sobre quem ele era ou o que fazia.

- O que importa, é que ele lhe deu a condição de poder dedicar-se aos estudos - arguia a mãe.

E fora exatamente o que ela havia feito. Graças aos seus estudos, pudera mudar-se para uma cidade maior, onde encontrara mais e melhores oportunidades de emprego.

- O que você fazia antes de vir para cá? - Insistiam pessoas do seu círculo profissional.

Ela não lembrava. Era como se toda a sua juventude houvesse transcorrido num limbo, onde tivera apenas que dedicar-se aos estudos.

- Talvez então, seja hora de viver - aconselhavam.

Mas como era viver, para alguém que não tinha qualquer recordação de algo que não fosse o dever e as tarefas impostas?

- Volte a ser criança - diziam outros.

Voltar a ser algo que ela não se recordava de ter sido?

- Nasça de novo - sugeriram então.

E ela achou então que essa deveria ser a saída.

- Quando eu voltar a este mundo, - declarou - que seja como uma criança. E que a criança tenha uma vida como a de todas as outras crianças, sem preocupações com o amanhã e acreditando que os dias duram todo um verão.

E quando ela finalmente se foi, este sentimento foi a única recordação de sua vida pregressa que levou.

- [07-12-2020]