Quase-morte

Uma experiência de quase-morte despertou-lhe novas ideias.

- E se pudéssemos aproveitar os momentos em que a alma está fora do corpo para fazer espionagem?

Disseram-lhe que não poderiam prever quando tais eventos ocorreriam, além do que, seria antiético aproveitar-se deles.

- Antiético por quê? - Questionou. - O indivíduo está à beira da morte, por qual razão não iríamos aproveitar a oportunidade?

Em sua concepção, ao se libertar do corpo, a alma passava a se deslocar em quatro dimensões, daí a capacidade de atravessar paredes atribuída aos fantasmas. Tecnicamente, lhe disseram, alguém que passa por uma experiência de quase-morte ainda não é um fantasma.

- Pois faremos um estudo de quase-morte controlada em laboratório, com documentos colocados dentro de cofres - replicou. - Se minha tese estiver correta, os indivíduos submetidos ao teste, serão capazes de descrever seu conteúdo após serem ressuscitados.

Como decididamente a técnica fosse antiética, decidiu-se que só usariam prisioneiros condenados à morte no estudo. Caso morressem durante a experiência, apenas estariam abreviando o sofrimento da execução.

- Ademais, terão que ser voluntários - ressaltou.

No estudo, uma droga capaz de provocar um ataque cardíaco era injetada nos pacientes. Após três minutos com o coração parado, os médicos usavam técnicas de ressuscitação para trazê-los de volta à vida. Recobrada a consciência, eram interrogados sobre o conteúdo de cofres lacrados numa sala ao lado do laboratório, da existência dos quais haviam sido informados antes do procedimento.

- E a quais conclusões chegaram? - Indagou, após uma bateria de seis testes com 18 participantes, dos quais dois haviam de fato morrido sem chances de recuperação.

Inconclusivo, lhe disseram. Alguns dos pacientes haviam chegado a descrever a organização interna dos cofres fechados, a quantidade de documentos em cada um, mas não o que estava escrito nos papéis.

- Então, a experiência de quase-morte é semelhante a um sonho - avaliou. - Num sonho, não somos capazes de ler.

E isso encerrou de uma vez por todas a busca por aplicações militares para a EQM. Isto é, até o dia em que acidentalmente, dois pacientes relataram terem ocupado brevemente o corpo um do outro antes de recobrarem os sentidos.

- [01-12-2020]