Dividindo-se
Trancou-se no banheiro e deixou jorrar o pranto. As paredes, suas únicas testemunhas, refletiam o som abafado de seu gemido. Ele tentava se recompor, mas não havia jeito de controlar toda aquela emoção. Do nada, esmurrou a parede com força sem se quer sentir dor. O ódio lhe roía as entranhas e por pouco não foi ao encontro de seu algoz. Passado alguns instantes, sentado com a cabeça entre as pernas, sentiu-se mais sereno. Respirou profundamente e aos poucos foi recuperando o equilíbrio. Enxugou as lágrimas, lavou o rosto e ficou ali em frente ao espelho. Repentinamente lhe veio uma vontade estranha de conversar com seu reflexo.
- É meu caro, você está chegando ao fim da linha. Não tem mais para onde correr. É preciso tomar uma atitude e mudar tudo a sua volta.
E após um longo “diálogo”, teve a sensação de sentir-se dividido em dois. Era como se fossem dois Cristianos. Por fim chegou à conclusão que um deles precisava descansar e sair de cena, o outro, cheio de energia, sem passado algum e sem perspectiva alguma assumiria o posto.
E a partir daquele momento, quaisquer críticas, desaforos e agressões sofridas, eram sumariamente destinados ao Cristiano um. Ele, o dois, não tinha absolutamente nada com aquilo e como estava apenas de passagem, estava adorando toda aquela novidade. Como não havia um passado, o Cristiano dois era mais leve, enxergava tudo colorido, era tudo tão novo, tão surpreendente que ele não entendia como o Cristiano um encontrava tantas dificuldades em viver bem.
Mas a melhor parte era ver o Sr. Mário, seu algoz, que tinha como prazer humilhá-lo preferencialmente em público, ficar com aquela cara de interrogação ao ver que sua vítima não o levava mais a sério. O Cristiano dois até se divertia com tudo aquilo.
Mas um certo dia, o Sr. Mário conseguiu se superar e eis que adentra abruptamente no banheiro o Cristiano dois e em frente ao espelho e clama desesperadamente pelo três.