A Fonte dos Desejos

Quando a grana estava curta, ele conseguia o dinheiro do almoço no poço dos desejos local. Não era uma atividade das mais meritórias e tinha que recorrer à ela na calada da noite, mas consolava-se pensando que, quem quer que houvesse jogado moedas na fonte da praça da cidade, provavelmente não se importaria em que elas fossem usadas para matar a fome de um pobre.

Numa noite sem lua, enquanto tateava o fundo do chafariz com o braço esticado, a cara quase encostada na água, sentiu uma presença perto dele. Aprumou-se assustado, o braço pingando, e olhou ao redor. Não havia ninguém na praça, e as luzes nos postes do parque em meio às árvores também não revelavam qualquer outro notívago dando uma caminhada ocasional. Respirou fundo e posicionou-se na borda de mármore da fonte, esticando novamente o braço para alcançar o fundo.

- Por que está me roubando? - Indagou uma voz vinda de cima dele.

Ergueu-se de um pulo e olhou para o grupo escultórico no centro do chafariz, representando guerreiros vestidos de peles saudando um homem de barba longa, capa e chapéu redondo, sobre um penhasco. O homem barbado segurava uma caveira entre as mãos, e as órbitas vazias desta, ele percebeu tremendo, estavam vermelhas e brilhantes.

- Desculpe... desculpe... eu não tenho o que comer... pego só o suficiente para comprar comida - gaguejou.

- Você poderia obter a resposta para todos os seus problemas, e se contenta em arranjar uns trocados para o lanche? - Questionou a caveira.

- Como assim, a resposta? - Indagou hesitante.

- O chafariz é moderno, mas a fonte está aqui há milhares de anos - replicou a caveira. - Bebendo destas águas, poderosos reis de antanho obtiveram respostas para suas dúvidas mais prementes.

- E tudo o que eu tenho que fazer é beber destas águas? - Questionou.

- E oferecer alguma coisa em troca, algo valioso para você. O conhecimento não vem sem sacrifício pessoal.

E diante do silêncio dele, que nada possuía de valor, a caveira cantarolou:

- Mão, braço, perna, olho...

* * *

Acordou na manhã seguinte, ainda junto à fonte. Ao abrir os olhos percebeu que conseguia enxergar apenas pelo olho esquerdo; apalpou o olho direito e percebeu horrorizado que em seu lugar havia agora uma depressão.

Um grupo de soldados entrou no parque, pareciam estar procurando alguém.

- Ei, vagabundo! - Um deles gritou.

Virou-se para ver quem o chamara. O homem fez uma careta.

- Esse não serve, só tem um olho - comentou outro soldado. - Não estamos recrutando aleijados, pelo menos não por enquanto.

Os soldados foram embora e ele sentiu pesados os bolsos do casaco puído; enfiou as mãos neles e trouxe à luz vários dobrões de ouro. Olhou para a caveira nas mãos do homem barbado e ela parecia estar rindo dele, silenciosamente.

Ao menos, não precisaria mais voltar ali, pensou, enquanto se retirava do parque a passos lentos.

- [16-10-2020]