Setembro dos meus anos

Eu estava sentado com o jornal nas mãos numa confortável poltrona na sala de estar, de frente para a janela que dava para o gramado. Por ela eu podia ver Timmy, expressão concentrada, recolhendo com um ancinho as folhas outonais que insistiam em cair das árvores ao longo da calçada. Em dado momento, depois que ele havia terminado de reunir uma grande pilha e antes que tivesse tempo de pegar o cesto de lixo, uma rajada de vento espalhou as folhas para todos os lados. Ergui-me imediatamente da poltrona, no mesmo instante em que Julia entrou na sala.

- Nossa! Tanto trabalho desperdiçado! - Exclamou ela penalizada.

Timmy olhou lá de fora para nós com ar desconsolado. Subitamente, um redemoinho formou-se sobre o gramado e começou a sugar todas as folhas secas; elas foram reunidas num monte organizado junto ao cesto de lixo. Timmy abriu um sorriso e ergueu um polegar em agradecimento.

- Não sei se você deveria intervir nesse tipo de coisa - comentei em tom casual, voltando a me sentar.

Julia não respondeu a princípio. Aproximou-se do rádio e o ligou; Frank Sinatra cantava "The September of My Years".

- Música perfeita para o outono - disse ela, sentando-se em outra poltrona junto à janela.

- Minha época preferida do ano - assenti, erguendo os olhos do jornal. - Mas sobre o Timmy...

- Ele tem me perguntado quando vai chegar o Natal - atalhou ela.

Encaramo-nos.

- Prefiro que mantenha o outono - afirmei. - Nem frio nem calor, nada de neve. Frutas à vontade. O Natal fica como uma promessa, uma expectativa...

- Quanto tempo vai querer viver nessa contrafação de outono? - Ela me perguntou em expectativa, cruzando as pernas e segurando o joelho direito com as duas mãos.

- Se me permitir, para sempre - redargui com um sorriso.

- Acha justo fazer isso com o Timmy? - Questionou.

Depositei cuidadosamente o jornal ao lado da poltrona.

- Acho que tenho que fazer um pequeno ajuste na sua programação - repliquei.

- Vai ajustar a programação do Timmy também? - Ela cruzou os braços, ar de desafio.

- Quando você começa a fazer certas perguntas... - ponderei.

- Eu não sou quem você pensa que eu sou - disse Julia.

- Você é parte dessa simulação. Como o Timmy - repliquei.

Ela balançou negativamente a cabeça.

- Você não entende. Eu já lhe expliquei muitas e muitas vezes, mas você parece ter entrado num loop. O programador original criou este ambiente como diversão, onde havia uma versão digital dele... que é você. O programador morreu, Deus sabe há quantos séculos, e você imagina ser ele, reprisando indefinidamente esse outono que nunca termina.

No rádio, os Mill Brothers entoavam "September Song". Olhei para Julia e pensei comigo mesmo que o problema devia ser mais sério do que eu pensava.

- Talvez possamos permitir que o tempo avance um pouquinho... até antes do inverno - sugeri cautelosamente. - Aí, haveria neve e Timmy teria como fazer uns bonecos, descer a ladeira num trenó...

- E você poderia sair um pouco de casa e ir atrás de um pinheiro para o Natal, quem sabe? - Ela comentou em tom casual.

Algo me disse que se eu saísse de casa, as fechaduras estariam trocadas no meu retorno.

- Talvez possamos ir todos juntos - sugeri. - Um passeio em família.

Julia sorriu.

- Uma família feliz.

- [23-09-2020]