O MONSTRO DA TRANSAMAZÔNICA

É outubro de 1970. Uma repentina movimentação efervesce a harmônica floresta amazônica.

Apavorados, os animais silvestres correm num tropel ruidoso. Atônitos, os frágeis seres das matas procuram abrigos nas mais distantes paragens.

Gigantescos escaravelhos de aço, emitindo ruídos retumbantes, passam a escarafunchar o solo avermelhado. E, Em tempo recorde, é erguida uma vila de toscos alojamentos para abrigar uma turba de trabalhadores e posseiros.

Homens maltrapilhos e cegos de avareza atacam árvores seculares, mortificando-as com suas vorazes motosserras. À medida que as máquinas fuçam, o chão ganha mais força para formar profundas voçorocas.

Uma trilha a perder de vista é aberta, cruzando a floresta em sentido leste-oeste. Passam a chamá-la ostensivamente de Transamazônica. Alardeiam aos quatro ventos que ela será uma das mais influentes estradas da América Latina e levará o progresso à região mais remota do país.

Os governantes que promovem o pretenso progresso não ignoram uma população humana habitando as paragens desde tempos imemoriais. É sabido que há homens primitivos por ali. Mas ninguém move um dedo para compreender seus hábitos, sua cultura, suas necessidades e sequer saber qual o tamanho dessa população.

Em consequência disso aquele povo se torna silencioso, quase nulo aos olhos dos chamados homens brancos.

A pequena vila de casebres de madeira se ergue ao pé de um promontório.

Em pouco tempo o número de moradores alcança uma assustadora cifra.

Entre assombrados e furiosos os silvícolas hesitam entre fugir e enfrentar os invasores. Volta e meia se deixam ser vistos por algum posseiro atento, embora se refugiem sob a densa folhagem.

Alguns ataques fatais são registrados. Os habitantes da vila os chamam de homens-morcegos, pelo fato de os ataques a flecha virem do alto das árvores.

Há uma declaração de guerra contra os homens-morcegos.

Porém, nada disso impede a mortandade entre os homens brancos da vila. Eles ficaram a meio caminho da vasta clareira chamada Transamazônica, depois que se retiraram os escaravelhos de aço e as várias motosserras. Aqueles aventureiros que sonhavam com a fortuna na imensidão verde continuam enfrentando as asperezas.

Da vila do promontório hoje só restam alguns indícios: queimadas para algumas culturas, voçorocas de algumas garimpagens e um fio desmatado do que seria uma próspera rodovia. Dizem que os que não migraram pereceram de inanição.

Dos homens-morcegos nunca mais se ouviu falar. Sequer qualquer antropólogo soube dar notícia.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 22/09/2020
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T7069988
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