O Caipora

O velho casarão o reconheceu de longe; depois, duvidara:

— Cecílio vestido de roupa branca e limpo? Era ele mesmo?

Por um calçamento todo em pedras naturais, Cecílio seguiu.

Foi a um afluente do Rio Almada, um xará do povoado, um rio, que corta todo o Rio do Braço por trás.

Na outra margem, a fazenda Progresso, com suas casas em cima das escadarias por causa das cheias.

Após uma cancela, bem mais adiante, Zé Oleiro fabricava tijolos e estacas, e Seu Lió, já corcunda, ordenhava as vacas.

Cecílio agachou-se na margem arenosa e tocou a lua molhando a ponta dos dedos.

A lua ecoou sorrindo e viu o semblante de Cecílio na água bongada. Ele agitou as águas fazendo círculos com as mãos, e mesmo assim, a lua o reconhecera.

Lavou-se no rosto e tragou goles excedentes das águas que agora escorriam pelos seus dedos calejados.

Sentia o cheiro do sabonete ao mergulhar no rio no final da tarde, pois sempre ia pulando pela estrada que dava acesso ao rio. Ia muito feliz, muitas vezes fugindo dos vacas bravas, paridas. Se estivesse de vermelho, a perseguição era garantida.

E quando o rio estava cheio, ficava só olhando a cheia e saía pra “furtar” jambo na casa em frente ao rio.

— Mas por que Cecílio também estava barbeado? - Perguntou-se o rio.

Cecílio sempre mergulhava ali, incontáveis vezes, com os olhos abertos, e via os peixinhos nadando. Ficava bem quietinho sem fazer movimento para ver. Passava horas e horas dentro d’agua e quando saía, as mãos estavam murchas.

— Olhos abertos embaixo da água??? - O rio era cristalino, sem poluição. Hoje em dia se a gente abrir o olho em um rio, a gente pega uma conjuntivite!

Viu uma bacia grande de alumínio afundada cheia de areia do rio e limo, e lá deixou, pois havia peixes se alimentando. Um dia, D. Idalice lhe contou que estava sentindo falta de uma bacia... Preferiu ficar calado para não prejudicar a sua neta, que confessou a Cecílio que perdeu a bacia na correnteza, após querer fazer da mesma uma canoa para brincar, e dessa forma, ganharia uma baita bronca se a sua avó soubesse.

No Poço da Bomba, desligou a bomba d’água como sempre o fez, ali, na hora, responsável e pontual:

— Tac! E um silêncio.

— É que o chafariz do povoado encheu - Compreendia, o poço - Mas por que Cecílio também estava com as unhas cortadas e limpas?

Lembrou-se, o poço, da história que um dia Cecílio lhe contou...

Foi, outro dia, com outros meninos, pegar água na cacimba, na estrada que dava acesso a Banco do Pedro. Uma água mineral fantástica, pura. Uns meninos maiores iniciavam as seções de assombração. Os mais novos morriam de medo da mula-sem-cabeça, do saci e do caipora...

Pegar água na cacimba era uma festa...

Uma vez, largaram baldes, latas e tudo o mais no meio do cacau, porque acreditaram ter visto um Saci.

Cecílio, como era destemido e não tinha medo de nada e nem acreditava nessas coisas, gritou bem alto dentro da roça:

— Caipora! Ô caipora!

— Caipora! Ô caipora! Venha me enganar que eu não acredito em você! Venha! Venha!

Os outros meninos detestavam essa tortura e avançavam em cima de Cecílio para tapar-lhe a boca:

— Tais ficando doido? Num diga isso não, senão a gente se ferra!

— Por mim!! - dava gargalhadas, Cecílio.

Nesse dia, quando eles voltavam da cacimba com os baldes cheios de água mineral para pôr nos potes de suas casas, caminharam por muitas horas e nunca chegavam. Até que perceberam que estavam perdidos. Foi difícil encontrar o caminho de volta. O caipora os enganou. Eles achavam que caminhavam para uma direção, e, na verdade, estavam se aprofundando roça adentro.

Chegou à boquinha da noite, e os pais já estavam fazendo diligências para encontrá-los. Conseguiram chegar por trás da Fazenda Progresso em altas horas, no meio da escuridão, porque um dos meninos subiu num pé de jaca imponente - (os pés de jaca nas roças de cacau eram verdadeiras torres) - seguiu um poste com a luz acesa. Seguiram na direção do poste.

Desse dia em diante, nunca mais Cecílio se atreveu a desafiar o Caipora, e só andava com um pedaço de fumo de rolo no bolso. Era só colocá-lo em qualquer toco de madeira, que o Caipora, ao encontrar a oferenda, ensinava o caminho de volta, e, desse modo, a notícia se espalhou pelo Rio do Braço e só aumentou o respeito dos moradores por essa figura folclórica...

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* Esse texto é uma das várias histórias contadas no livro "Rio do Braço" (Romance Histórico) de Osman Matos, publicado em 2015 pela Editora Mídia Joáo Pessoa, PB (LANÇADO EM 2016 NA ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS) e pela Amazon.com nos formatos e-book e impresso, 2017.