255 - Todos e Ninguém
Em criança tanto queria ser a mãe como a criada, a domadora como a macaquinha de saia curta e olhos assustados. Queria nela as emoções que pudesse dos dois lados do diálogo ou do conflito. Não seria nada de grave se, com a idade adulta, estivesse mais certa do que queria, mais segura do papel que lhe cabia. Na verdade fazia a fera e a vítima com tal realismo que deixava todos impressionados com o que de si dava à personagem. Mas…a vida exige-nos decisões definitivas e, um dia, perante a insistência do namorado, casou. Conseguia sempre grande prazer quando vestia a mulher amorosa, a mãe cheia de doçura, a tolerante perante qualquer atropelo que inventasse para funcionar o jogo. E ele, homem ajuizado e maduro, aprendeu a jogar. Uns dias gritava da porta por Joana d’Arc, noutros contentava-se com alguém da vizinhança e dizia : - Ó dona Mafalda Cristina! Dona Fafalda, dona Tina e ela aparecia na pele que o marido sugeria, com gestos e trejeitos, com o lenço atado como a imitada criatura e riam-se muito a seguir. Mas depois, havia o resto para ser feito: compras, cozinha, limpeza e uma vez ou outra a partilha de interioridades que tinha de ser ele a saber escolher. – Hoje entro de férias e quero ser apenas eu, avisou quando, pela manhã, ele saiu para o trabalho. Quando regressou, hesitante, abriu a porta e disse sem qualquer tipo de exagero: - como está a mulher da minha vida? E, perante o seu pasmo ela respondeu: - desde que saíste que, em vão, a procuro. Ao almoço apareceu-me uma Antonieta e ainda não consegui saber se sou eu ou a que decapitaram em França quando deixaram de gostar de rainhas. Se não conseguires tu adivinhar qual das duas sou, acabo as férias.