O trem do verão
Ela era uma estranha numa terra muito estranha. Ao descer do trem elétrico de cremalheira composto por um único vagão pintado de vermelho, na charmosa estação no alto da montanha, a primeira coisa que lhe despertou a atenção foi a placa que anunciava o nome do lugar, pintada em cores tão garridas quanto a da própria composição ferroviária: Sommarland. Abanou a cabeça, divertindo-se com a incongruência. Como alguém poderia chamar de "Sommarland", "terra do verão", um remoto vilarejo encravado num vale dos Alpes Escandinavos?
- Bem, para entender você deveria vir aqui no verão - sugeriu com verve seu contato Julius, que fora recebê-la na estação.
Haviam descido cerca de meia dúzia de passageiros e embarcado outros dez, para a lenta viagem montanha abaixo até a aldeia de Sundshärad, distante cerca de seis km dali.
- Nunca pensaram em construir uma estação de esqui? - Indagou, enquanto caminhavam para a cafeteria próxima à estação, e que era um dos poucos estabelecimentos comerciais abertos no vilarejo durante o inverno.
- Aqui não é um bom lugar - admitiu Julius. - Paredões íngremes, desfiladeiros, abismos... talvez pudéssemos construir uma pista de obstáculos, não de esqui.
Ela lembrou-se da subida vagarosa numa ferrovia que não era duplicada, admitindo somente o tráfego num sentido por vez, em ângulos que por vezes chegavam aos 45º ladeando despenhadeiros vertiginosos. Não haveria como chegar à Sommarland sem ser através da linha férrea, a qual acabara de ser eletrificada justamente naquele ano.
- Imagino que não fizeram todo esse investimento apenas por causa de pesquisadores eventuais como eu - comentou ela enquanto Julius abria a porta da cafeteria para que entrasse.
- Ainda temos residentes fixos aqui em cima - ponderou ele, fechando a porta atrás dela. - Você desembarcou com alguns a pouco.
Havia apenas um casal idoso dentro do estabelecimento, que não era grande, tomando o café da manhã. Por trás do balcão, um homem de meia-idade saudou Julius de modo informal.
- Hej Julius!
- Hej Michael! Det här är Sabrina, min engelska vän.
- Eu falo sueco - apressou-se a dizer Sabrina. - God morgon!
- God morgon, Sabrina, seja bem-vinda à Sommarland. Pretende passar algum tempo conosco?
- Apenas por hoje, vim conhecer a biblioteca local; quando esteve em Londres, Julius me falou dos incunábulos raros que possuem. Eu disse que se algum dia viesse à Suécia, daria um pulinho aqui. Devo confessar que apenas pelo passeio de trem, já vale a viagem!
Michael estendeu-lhe o cardápio.
- Sentem-se, fiquem à vontade.
Escolheram uma mesa próxima à uma janela, por onde podia-se ver a face nevada de uma montanha próxima e um trecho da ferrovia.
- É uma lástima que não tenhamos sequer uma pousada funcionando no inverno, - desculpou-se Julius - ou você poderia instalar-se aqui e fazer o seu trabalho de pesquisa com mais tranquilidade. Se eu não morasse sozinho e minha casa não fosse tão modesta, eu teria muito gosto em lhe oferecer hospedagem.
Sabrina divertiu-se com o aparente acanhamento de Julius. Em Londres ele lhe parecera bem mais mundano, e com certeza mais sociável. Talvez fosse o efeito da vila do interior, pensou; ali, todos se conheciam e fofocavam sobre a vida alheia.
- Não se preocupe com isso - minimizou. - Eu estou hospedada à 40 minutos daqui, não é nenhum inconveniente subir e descer a montanha.
E dirigindo o olhar para o cardápio:
- O que me sugere?
- O smörgås com ovos cozidos e bacalhau daqui é excelente - sugeriu Julius.
- Está bem - acatou Sabrina. - Só não vou tomar o café sem açúcar. É um hábito sueco que não pretendo adotar...
Julius a encarou com simpatia.
- De amarga já basta a vida, talvez?
- Talvez - replicou Sabrina sorrindo.
- [04-08-2020]