242 Os amantes

Vira-o sair à noite da casa de Dulce, cozido ao muro em atitude suspeita. – aqui há pardal, disse aos seus botões. Decidiu, portanto, tirar todas as dúvidas e um dia viu-os pelo coração recortado na madeira das janelas. Quem diria que a Dulce era tão perfeita! Larga ancas, seios firmes, cabelos soltos e gestos de muita afabilidade. A voz que conhecia gritada era agora suave e melosa. A ele viu-o de costas, peludo, deitado na cama larga como quem se cansou e está sem coragem de se levantar. Ora ali estava uma história perigosa de contar, pensou. Não fosse ela a professora dos filhos, não fosse ele abade e estariam ambos fritos, postos nas bocas do mundo ali tão complexo como se a terriola fosse grande. Como fazer, Toino? Como se libertar deste fogo que o tomava todo como se o pecado fosse dele? Chegou tarde a casa e logo à sua Maria precisou de mentir. Atrasos na entrega do material e o fecho da cancela estragado. A seguir, depois de penar uma longa insónia, decidiu que contaria não o encontro em si mas os dados todos de uma história sem nomes. E foi assim que nasceu, surreal, um relato com bigodes: Ia como quem vai direito ao poço. Ela já o esperava muito nua, muito amorosa, muito noiva experiente e ele aproveitou as quebras do luar e foi-se a ela como um leão ali na palha da eira. Não pude saber quem era porque, logo que me afoitei para ver melhor, a professora regava, de roupão, as couves e ele, ainda a vestir a sotaina, erguera-se no ar e sumira nas nuvens como um santo.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 04/08/2020
Reeditado em 04/08/2020
Código do texto: T7025720
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