O Bolo da Princesa

Ela havia perdido o último trem e só havia uma única pessoa a quem poderia pedir ajuda. Voltou a passos rápidos pelas ruas escuras e cobertas de neve, até chegar frente a uma casa onde via-se uma luz na janela da sala. Tocou a campainha. A porta abriu-se instantes depois.

- Julius?

- Olá, Sabrina. Aconteceu alguma coisa?

Ele estava parado na soleira, um roupão sobre o pijama. Era tarde, ambos o sabiam.

- Eu perdi o trem das 11 h, e acho que agora só amanhã de manhã... - justificou-se, constrangida.

- Não fique aí parada, entre - convidou ele.

Ela o acompanhou. Na sala decorada com sobriedade, uma lareira acesa aquecia o ambiente. Um jornal dobrado no braço de uma poltrona em frente ao fogo indicava o que ele deveria estar fazendo quando ela tocara a campainha.

- Me desculpe, Julius... eu realmente não sabia o que fazer - disse ao sentar-se numa poltrona ao lado da dele. - Aqui não há ônibus, nem táxis... e até onde eu saiba, nenhum hotel.

- Não temos hotel nem pousada funcionando - explicou ele. - Ao menos, não nesta época do ano, baixa temporada. Pouca gente mora aqui, e menos gente ainda tem alguma coisa para fazer aqui no inverno.

- Acabei me distraindo com o trabalho - argumentou Sabrina. - Há tanto por ver na biblioteca... e vocês não permitem sequer fotografar os livros.

- São muito antigos - ponderou Julius. - O uso de luzes fortes poderia danificar as páginas. Mas, enfim, foi desatenção da bibliotecária não ter lhe avisado sobre o horário de partida do trem.

- Creio que não disse a ela que voltaria ainda hoje. Pode ter deduzido que eu estava hospedada na sua casa, já que foi você quem me levou até lá - replicou.

- É possível. Mas, se não lhe ofereci hospedagem na chegada, posso fazê-lo agora: há um quartinho de empregada depois da cozinha. As acomodações são espartanas, mas conservo tudo limpo. Quer dar uma olhada?

- Nem sei como lhe agradecer - disse Sabrina, erguendo-se para acompanhá-lo. - E lamento muito o incômodo causado.

- Incômodo algum - minimizou Julius.

Atravessaram a cozinha ampla e antiga, ladrilhada em preto e branco, e ele abriu a porta do quartinho. Mal cabia uma cama de solteiro, uma cadeira e um guarda-roupa de duas portas, mas diante da possibilidade de ter que dormir num banco de madeira da estação, o aposento era principesco - além de aquecido.

- O banheiro é no fim do corredor - informou Julius. - Eu vou pegar a roupa de cama, e enquanto isso você pode se servir na cozinha. Eu ainda não havia guardado as panelas do jantar...

Ela não se fez de rogada, estava mesmo com fome. Enquanto ele desaparecia na parte de trás da casa, ela localizou os pratos num aparador, os talheres numa gaveta, e começou a destapar as panelas para ver o que havia para comer. Parou, perplexa.

Estavam todas vazias.

Julius voltou pouco depois, com dois lençóis, um travesseiro e uma manta quadriculada.

- Ainda não se serviu? - Indagou, de passagem para o quartinho.

- Bem eu... - hesitou Sabrina.

- Não fique acanhada - disse o rapaz, enquanto colocava a roupa de cama sobre a mesma.

- É que... - murmurou Sabrina, destapando uma panela vazia.

Julius deu um tapa na testa e abriu um sorriso.

- Oh, perdão Sabrina! Perdão!

Tirou delicadamente a tampa da mão dela e indagou, muito sério:

- O que você gostaria de jantar?

- Como assim? - Indagou ela, confusa.

- Se você fosse a um restaurante, o que gostaria de pedir? - Insistiu ele.

- Um restaurante... não sei... pyttipanna?

Julius riu.

- Pyttipanna não é bem comida de restaurante, mas vá lá... com ovos fritos?

- Se não for dar muito trabalho - redarguiu Sabrina, imaginando que ele iria abrir a geladeira para pegar os ingredientes. Mas Julius apenas tapou a panela, murmurou alguma coisa em sueco e abriu-a novamente. Surpresa! Estava cheia de pyttipanna fumegante, com dois ovos fritos por cima.

- Você podia ter pedido Janssons frestelse - avaliou ele, mão no queixo. - E para sobremesa, que tal uma Prinsesstårta?

- Um pedacinho não cairia mal - avaliou ela.

Ele abriu o forno e dele retirou uma torta verde, intacta.

- Vá se sentar lá na sala, eu já vou servir.

Sabrina sentou-se à mesa, guardanapo no colo; parecia que estava num conto de fadas. Será que estava sonhando? Julius veio em seguida com uma bandeja e começou a servir a comida no prato dela. Num prato de sobremesa, uma fatia da torta verde.

- E para beber? - Indagou ele.

- Não sei como você faz isso, mas... um taça de Vidal branco, talvez?

- É pra já! - Replicou Julius, dando meia-volta.

Voltou com a taça de vinho, que colocou ao lado do prato dela.

- E agora, com sua licença que irei me recolher aos meus aposentos - declarou. - Não precisa lavar a louça, basta deixar dentro da pia.

- Não quer me fazer companhia e conversar um pouco? - Sugeriu Sabrina.

Julius olhou para o relógio cuco na parede.

- Lamento, mas já é quase meia-noite; eu tenho um horário de dormir bastante rígido. Amanhã às 7 h baterei na sua porta para lhe chamar para o café.

- Eu lhe fico muitíssimo grata, Julius - disse Sabrina com sinceridade. - Mas me permite uma última pergunta?

- Claro!

- Como você faz isso tudo? - Indagou ela, apontando para o prato de pyttipanna à sua frente.

Julius abriu um sorriso e exclamou:

- Mágica!

Desejou boa noite e desapareceu no interior da casa.

- [01-08-2020]