O DUELO
O DUELO
O velhote tinha certeza... fôra miseravelmente enganado pelo representante da loja de celulares, de famosa prestadora de serviços de telefonia. Pretendendo trocar a TIM -- "terror da Internet móvel" -- por outra menos irritante, findara ludibriado pelo jovem funcionário, fazendo-se de prestativo. Levou seu aparelho para outra saleta e o devolveu sem um dos chips. Só dias depois o idoso veio a perceber a maracutaia.
-- "Mas, deixa estar... araruta tem seu dia de mingau!", falou para as paredes de seu "quarto e sala" e, estas, concordaram. Repetiu a ameaça, agora para si mesmo:
-- "Vou ligar pr'aquele número e quem responder vai ouvir um bocado de desaforos... ou não me chamo Sinfrônio" !
-- "Alôôô, queria falar com o... o Marcelo" !, "chutando" o primeiro nome que lhe veio a "venêta". Do outro lado breve silêncio e, em seguida, a supresa.
-- "Sou eu mesmo, pode falar" !
O ancião percebeu que "entrara numa fria", o sujeito estava a par da situação, sabia a estória do "chip". Começou um "jogo de xadrez" telefônico no qual ambos queriam evitar o "cheque-mate". Era a vez do vovô "jogar" !
-- "Amigo, eu liguei pra 55-02-21... é o seu telefone" ?!
-- "É, é esse mesmo...algum... pro-ble-ma" ?!, replicou vagarosamente, como quem pisa em espinhos.
("MERDA", xingou o velho em pensamento, o patife estava bem ali, "na sua frente".) Era hora do "xeque":
-- "Há sim, um pequeno pro-ble-ma... esse seu CHIP É MEU, estava no meu celular até dias atrás"!
-- "E daí, OTÁRIO... não fui eu que roubei" !, e desligou seu aparelho, para desespero do idoso, prestes a ter um enfarte, tão revoltado estava. Tornou a ligar, fulo de raiva e despejou torrente de desaforos:
-- "Verme, patife, escroque, quero o meu chip de volta" !
-- "Vem aqui pegar, palhaço... vou lhe dar umas porradas" !
-- "É só você, neném ?! Vou tirar sua calcinha pela cabeça" !
Os dois perceberam a idade um do outro e as provocações aludiam à situação particular de cada um.
-- "Vou rachar meu celular na tua cara, moleque, pra você aprender a respeitar o que é dos outros" !
-- "Escuta aí, sua múmia... moro aqui no Sol Nascente, todo mundo conhece. Te espero amanhã de madrugada na quadra ao lado do Conjunto residencial, só nós dois ! Vou esquartejá-lo e dar os pedaços pros cachorros" !
Ainda era noite e o velho -- vestido de KungFu,num elegante terno reluzente de seda -- já estava na quadra à espera do rapaz. Este não chamara ninguém, vai que o velho poderia surpreende-lo e êle não queria testemunhas de seu fracasso. Quando viu a "fantasia" do ancião empalideceu, mas era tarde para recuar. O "china" ditou as regras:
-- "DUELO de celulares, verme... você joga teu aparelho em mim e eu farei o mesmo com o meu ! Quem permanecer de pé sera declarado o vencedor !"
O jovem revoltou-se, seu aparelho custara "uma nota" e não queria se desfazer dele, 'inda dessa forma ridícula.
-- "Não se preocupe, no Inferno ninguém usa celular, idiota" !
O sangue do rapaz ferveu, a figura senil enevoou-se diante dele, seu braço descreveu amplo círculo e o aparelho saiu como um bólido de sua mão, espatifando-se no rosto do velho. O rapaz ainda gargalhava quando, num giro de TaiChi, o chinês -- o rosto sangrando -- lançou seu celular girando qual bumerangue. Nas pupilas arregaladas do rapaz a sombra do aparelho cresceu, agigantou-se, cravando um dos cantos na sua garganta. A risada virou gargarejo, a incredulidade estampada na face. Tombou de costas, como edifício mal construído, olhos ainda abertos a fitar derradeiras estrelas.
Os garotos da "pelada" matinal acharam o corpo, o celular fincado na traquéia... a polícia recolheu o aparelho e, com o sigilo quebrado, recuperou a estória por inteiro, sem saber ainda por onde anda o autor da "façanha" inacreditável.
"NATO" AZEVEDO (em 31/julho 2020, 15hs)
OBS: aos incréus, favor consultar cenas de videoclips no YOUTUBE onde peritos no lançamento de cartas de baralho as cravam em maçãs e até melancias. É ver pra crer !