RESGATE DE UM PASSADO
O vento soprava com suavidade naquela manhã de setembro, algumas folhas se desprendiam das árvores e o silêncio naquele ambiente era uma constante. Numa área aberta de um hospital, sentado em um banco na mais profunda reflexão estava Marcolino, um senhor de seus quase 80 anos, solitário e conformado com a vida. Já tivera tudo, casa, família, trabalho, alguns bens e um "modus vivendi" de dar inveja, o que o fazia muito feliz. Agora, porém, não tem nada a não ser a resignação de, mesmo com algum sofrimento, se sentir uma pessoa capaz de esperar os seus últimos dias de vida na mais completa paz de espírito. Aquele local fora por ele escolhido para viver longe de todos os males que poderiam agravar a sua precária saúde. Era um antigo hospital de beneficência, afastado da grande metrópole, onde muitos outros pacientes praticamente moravam, alguns jovens, a maioria esquecida por seus parentes e amigos, como era o caso de Marcolino. Em tempos passados destinara boa quantia para uso naquele centro hospitalar sem nunca imaginar que ali passaria seus últimos dias, gostava de ajudar aos mais necessitados, a ganância dos filhos fez com que perdesse tudo, nem a esposa se prontificou a ficar do seu lado, saíram vendendo tudo e gastando com viagens e festas. Houve a separação conjugal e com o pouco que lhe restou passou a morar só em um cômodo alugado, mas com a doença optou por viver no hospital que tanto ajudou a se manter.
Nessa mesma manhã Marcolino teve uma visão do seu passado, teve a nítida impressão de não mais estar ali naquele hospital, sentiu-se jovem e em uma praça muito bonita, local que conhecia demais, a sua frente estava Anita, uma jovem sonhadora que ele conhecia muito bem, ela lhe sorria, ele tentou se aproximar mas não conseguia, era como se ela o evitasse e se afastava a cada passo seu. Manteve-se calmo, apesar de triste, queria abraçá-la, mas ela se afastava cada vez mais até sumir de sua vista. Tudo escureceu e como num passe de mágica se viu numa linda manhã em um bosque, estava ele cavalgando num belo cavalo marrom, aquele que era o seu predileto. Saindo do bosque avistou uma bela fazenda, ele a conhecia por demais, era sua. Vindo em sua direção avistou um belo cavalo branco que ele também reconheceu, nele estava montada Anita, aquela bela jovem que fugira dele. "Anita!" - gritou alto, mas ela parecia não ouví-lo. "Venha, querida!" - insistiu Marcolino. O cavalo dela parou e ele viu um sorriso em seu rosto. Anita era a sua esposa, ele agora lembrava, estava confuso, via a ex-esposa com outro semblante, mais nova. Não queria acreditar, estaria sonhando? Mas ele se sentia tão bem! Parecia ter voltado no tempo, parecia ser bem jovem. Tudo escureceu mais uma vez, voltou então a luz do dia, o céu estava claro, era uma linda tarde, a sua frente uma igreja a qual ele reconheceu de imediato, era a igrejinha da sua cidade, foi ali que desposou Anita, foi ali que tudo começou. Na frente uma aglomeração de pessoas, para sua surpresa viu uma noiva entrando nela, se aproximou e viu Anita, era ela mesma! Sorriu satisfeito e gritou pelo seu nome, ela virou-se e acenou para ele. Marcolino entrou na igreja e se posicionou em um lugar onde pudesse vê-la, não se deu conta de que estava ao lado de um padre e a noiva Anita se aproximava sorridente olhando para ele que não cabia em si de tanta felicidade. Lembrou de tudo, era seu casamento, ela vinha para o seu encontro, estava feliz. Chegou perto dele e ofereceu o braço, ele pegou, sorriu, não estava querendo acreditar, devia ser um sonho mesmo.
Aquela manhã de setembro era a mesma de tantas outras, nunca mudava, era ali naquele banco, numa área livre do hospital que Marcolino sempre sonhava com o seu passado e nesse dia não foi diferente. Ali estava ele, meio triste, caído no chão sendo levantado por enfermeiras que por ali passavam e o socorreram.