1147-SONHO COM MONTEIRO LOBATO

Cenário: Jardim da Praça da Matriz em São Sebastião do Paraiso, tal como me lembro há trinta ou quarenta anos, com as árvores ainda de pouca altura.

Monteiro Lobato estava sentado em um banco, lendo jornal, usando terno comum, chapéu preto de feltro como se usava na década dos anos de mil novecentos e quarenta, enterrado na pequena cabeça. As pernas cruzadas realçavam as botas de fino couro, sujas de terra,

Apareci em sua frente e, sem ”mas nem porém” , lhe disse:

— Mas que botas sujas!

— Sim, preciso comprar outras — respondeu-me. — Porém não encontrei nada que me agradasse nas lojas ao redor,

Era um diálogo como se fossemos grandes amigos. Pergunto-lhe a seguir se poderia autografar alguns volumes do meu livro de contos mais recente.

— Claro, claro, Posso sim. Quantos você quiser. — E deixou de ler o jornal, que abandonou sobre o banco, ao seu lado.

De imediato estavam em minhas mãos seis exemplares de “Ao Badalar dos Sinos”, que lhe entreguei.

Quando ele começou a autografar, com algumas palavras de dedicatória, observei com sua caligrafia era feia, cheia de garranchos e desalinhada, como se fora de alguém que estaria ainda aprendendo a escrever,

Sem dizer nada, sai apressado em direção à Casa João Ponte [1] para comprar selos. Comprei alguns, quatro apenas. Eram peças picotadas, menores que os selos comuns, com algumas palavras impressas, sem gravura nem efigie, com o valor facial impresso: 30 [2]

Quando voltei, Lobato já havia autografado os seis volumes e voltara á leitura do jornal. Meio constrangido, perguntei se poderia trazer mais. Ele levantou a cabeça e olhou-me com olhar de surpresa, e com sorriso disfarçado, disse:

— Vá lá, traga quantos quiser.

Como num passe e mágica, mais seis volumes apareceram em minhas mãos e depositei sobre suas pernas, e ele, diligentemente, foi autografando e escrevendo suas dedicatórias.

Eu estava extasiado. Enquanto pessoas conhecidas e desconhecidas passavam ao nosso lado, admiradas, o sonho foi se evanescendo.

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[1]- Casa João Ponte, tornou-se em 1965 o estabelecimento mais antigo da cidade. Já não existe mais.

[2]- de valor 30 — provavelmente centavos de cruzeiro, a moeda corrente na época,

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 9 de março de 2020.

Conto(Mini conto) # 1147

da Série INFINITAS HISTÓRIAS

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 15/06/2020
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