198 - Quarentena
Agora bebia só. Aconchegava a almofada aos rins, recostava-se no cadeirão e fazia lugar ao gato. Olhava o copo. Já várias vezes tentara ler as letrinhas do rótulo do conhaque mas desistia. Chegar-se à mesa e só para isso ter de pegar na garrafa, ajeitar os óculos e acordar o tareco não valeria a pena. Olhou o líquido, elevou-o até à luz do candeeiro e disse para dentro: que lindo é o fogo desta cor! Cheirou a bebida, molhou os lábios, pousou o copo e pensou. Por onde andariam os companheiros da sueca? E a Lena que ia aviando tudo o que aparecia pela tasca do Zé Domingos? Nem sequer se despediram. Tomados de medo, recolheram-se. Eram todos velhos e alguns doentes, muitos já deviam anos à terra mas, com as novas medicações, lá equilibravam o catarro e vinham até à Lena pelo tinto, pelas febras de porco, pela simpatia da mulher. Isto vai passar, disse como se falasse para si mesmo antes de voltar a beberricar o amarelinho que lhe fazia companhia. E o gato, que entretanto acordou de um sonho de prováveis pássaros, abriu a boca num bocejo, esticou-se e veio pela beira da manta exigir o seu quinhão. Conhaque sei que não queres mas a um torresmo destes não dirás que não. Também achas que isto vai passar? E o gato, de torresmo na boca, disse que não.