191 - Quarentena
No intervalo dos sonos sem qualquer espécie de ordem, como o que há e fico a contar-me histórias absurdas. Se não me conhecesse pensar-me-ia louco, “cacimbado”, com falta de várias molas. Assim, serenamente apostado em viver todos os anacronismos, ando, rastejo ou voo à vez. Imagino-me no meio da roda ou recusado à porta da discoteca. Vou, como general, aos quartéis e depois das cenas da Parada, encho-me de nojos a lavar as latrinas. No fundo viver pode ser penoso mas em gente ousada é um penar diversificado, serapilheira e seda, gelado e muito quente, doce e salgado, amargo, acre, sem sabor. A seguir penso que bom seria ter tudo para a seguir me ver a suar pela comida. Ontem fui, por pouco tempo, Rei. Tinha até uma desconfortável coroa de ouro e pedras e ninguém tive que me amasse. Saí de fininho da ideia e vim pela porta dos fundos até ao sofá da sala. Falavam na televisão do mesmo covid-19 e preferi ficar como porta a vedar a passagem de quem não há para entrar ou, pouco depois, a escancarar-me para que viessem conversar, trazer o vírus, deixar a louça por lavar e as máscaras usadas atrás do que pudessem. Vivo agora entre dois mundos e para fugir deste me escondo como jarrão de porcelana que parece ser, sem ser, da Dinastia Ming.