O AMIGO DO CURUPIRA - capítulo I

O AMIGO DO CURUPIRA.

Lendas Amazônicas - contada em dois capítulos

Parte 1

Autor: Moyses Laredo.

Quem nunca ouviu falar da lenda do Curupira? Faz parte das lendas Amazônicas, alguns dizem ser as antigas preguiças gigantes da era pleistoceno, (acho que confundem com o Mapinguari) mas isso é outra história, outros, já dizem que se assemelham a um anão esverdeado de cabelos vermelhos com os calcanhares virados para frente. Para os bandeirantes, o Curupira era considerado uma criatura perigosa, demoníaca, maliciosa, muito temida, (José de Anchieta 1534-1597) quem os perseguir sempre tem a impressão que caminham para trás, pois seus rastro indicam direção oposta, mas, em uma coisa todos concordam, são tidos como os protetores das florestas. Os índios o chamam de kuru'pir, (kurupira) que significa “corpo de menino”. Dizem também, que eles fazem os caçadores e madeireiros se perderem na mata. Quem escapou conta que começam a ouvir um assobio constante e perturbador, que os desorienta e os faz perder seus rumos, é o sinal de que estão sendo seguido por um deles, nesse momento, devem largar tudo e voltar imediatamente para não se embrenharem na mata e se perderem.

Existe um código entre as pessoas perdidas na mata, consiste em bater forte num pau oco, a fim de que o som percorra a maior distância, de modo a fazer ouvir por alguém seu pedido de socorro, aliás, essa também é uma técnica de comunicação à distância, entre os povos indígenas. Acontece que, depois que a pessoa acaba de bater com o pau no tronco da árvore, não demora muito e já se ouve iguais batidas em resposta, não tão longe, assim, o perdido se anima e vai em direção ao som que ouviu. Depois de muito andar, não encontra ninguém, porém, de repente, o som se repete bem mais adiante, de modo que a pessoa perdida, tem a impressão que tomou a direção errada e volta a seguir os sons, assim se repete outras vezes, até que, num certo momento, depois de muito andar deixa de ouvi-los, aí se depara de frente com a realidade cruel, está mais perdido do que estava antes, e num local totalmente desconhecido, onde ninguém já andou antes, difícil de encontrá-lo, assim se perde de vez. É voz comum, dizer que, para evitar o Curupira, o caçador deve levar sempre no bornal um novelo de cipó, que é pra distrai eles, pois dizem que são muito curiosos e ficam desembaraçando o cipó. Outros falam que se deve levar como oferenda um rolo de fumo e uma garrafa de aguardente, desse modo, quando se sentir seguido pelo bicho, deve se curvar e dar as oferendas a ele, que as recebem e deixam de perseguir a pessoa. Não confundir com a lenda da Caipora, pois não são os mesmos, a Caipora fuma muito, existe até um ditado popular para quem também fuma demais, dizem – “O sujeito fuma mais do que caipora”. Já a Caipora, pode se mostrar como um homem ou mulher, muito diferente do menino Curupira.

Ouvi falar de um seringueiro, já de certa idade, conhecido como o véi Venâncio, que diz ter feito amizade com um deles, isso fez abrir uma enorme curiosidade no meu peito, já que sou aficionado por essas histórias, como a da dona Mocinha que dizia ser mãe de botos, por conta disso até cheguei a morar por lá por uns tempos. Quanto ao seu Venâncio, fiz de tudo para me aproximar dele. Um filho seu, amigo de um amigo, que é grande escritor das causas amazônicas, foi quem me convidou dia desses para saborear uma paca no tucupi, na fazendo de seu tio, não poderia dispensar esse prato que faz brotar cachoeiras d’água na boca da gente, como também, nem poderia imaginar que ele era parente do seu Venâncio, que maravilhosa coincidência, esse amigo, é seu sobrinho. A fazenda ficava no ramal das Cruzes, na BR 317 depois da divisa do Estado do Acre a uns 15 km, já no Estado do Amazonas. O ramal tinha de extensão 11 km de pura lama, cheio de buracos e valas, na verdade, aquilo não era bem um ramal, e sim, uma mangueira estreita de passagem de gado, que desafio chegar até lá, coisa para poucos.

Subi na minha Hilux, tracei a bicha, ela era ainda daquelas que a gente tinha que descer e girar uma chaveta nos pneus, para poder ligar a tração nas quatro rodas, e segui viagem, para a minha caminhonete, não havia dificuldades, qualquer caminho era plano. Cheguei direitinho. Depois das apresentações, ficamos a prosear tomando uma cuia de tereré, por gosto do seu Venâncio, a bom conversar sobre tudo, até que rolou assunto dos encantados da mata, ouvi umas, e soltei as minhas, a última, foi sobre a MULHER QUE PARIU BOTOS. Nessa hora, seu Venâncio despertou o interesse e resolveu me perguntar, o que de mais eu fazia na vida, não tive tempo de lhe responder, o almoço fora anunciado, estava sendo avisado como nas fazendas, com o tilintar do triângulo de ferro pendurado na viga da varanda da cozinha, do mesmo jeito que chamavam o pessoal da lida. Como já passava das três da tarde, estavam todos esfomeados, os convidados se levantaram apressados, menos eu, porque o seu Venâncio me segurou pelo braço, dizendo que queria ouvir mais dessas histórias, eu aproveitei e lhe disse que também tinha muito interesse de ouvir as deles, ele fez um muxoxo de língua, (estalos) balançando a cabeça, dando impressão que não tinha nada pra contar e então, nos levantamos e fomos experimentar a tão falada paca no tucupi. Mas rapaz, pois não é que eu acabei despertando o interesse do seu Venâncio, ô coisa boa, era tudo o que eu mais queria, até a paca no tucupi já não mais me interessava muito, conversar com o seu Venâncio no momento, era muito mais interessante, queria ouvir suas histórias sobre o encontro que teve com o Curupira que virou seu “amigo”. Após o laudo almoço, todos mudaram de assunto, a coisa descambou para política e futebol, temas de muito interesse de todos, que se reuniram em grupos e sobrou eu e o seu Venâncio. Me aproximei dele e perguntei, - “Que tal seu Venâncio se me contasse sobre a história do seu encontro com o Curupira?” ...seu Venâncio, me olhou de banda, levantou uma sobrancelha curioso, respondeu, - “E como foi que o senhor soube disso?” –“Oras seu Venâncio, a conversa é solta por aqui, quase todo mundo conhece isso” – E pra que mesmo o senhor quer saber?”, - “Por pura curiosidade, essa lenda é da minha terra e sou muito interessado por esses temas, quem sabe se um dia eu não vá escrever sobre isso?” – “Pois bem, já que estamos aqui sozinhos, vou lhe contar, mas já lhe aviso de antemão, poucas pessoas acreditam e acabam caçoando de mim.” “-Tenha receio não, eu sou muito respeitador pode começar de onde quiser”.

Começou assim, disse ele, numa tardinha, saiu para buscar um queixada, que aparecia aos bandos por lá, na estradinha de seringa, que são caminhos em forma de gotas que circundava um conjunto de seringueiras, facilitando o corte e a colheita, a minha estrada, tinha umas 100 árvores. Sempre quando cortava, não tinha tempo de atirar neles, por causa da produção que não podia abaixar, pois se matasse o cateto, tinha que tirar o fato e o cheiro de sangue podia atrair onça. O dono da estrada, cobrava uma parte da produção, e ele sabia quanto dava, e se nós não completássemos a cota, tirava do nosso ganho, por isso, eu deixava tudo quanto é caça passar. Mas naquele dia, tinha acabado de cumprir a minha cota e resolvi buscar esse porquinho pra assar no meu aniversário de 60 anos. Sai de casa, peguei a chumbeira, mais alguns cartuchos de sobra, ajeitei as coisas que sempre levo dentro do meu bornal, e fui caminhando pelo ramal, de tão acostumado que era, que nem olhava pra frente, conhecia aquilo ali como a palma da mão. Chegando no ponto onde os catetos apareciam, me trepei na “espera”, era um galho forte de uma árvore, onde as folhas das palheiras vizinhas chegavam a encobrir a “espera”, assim me protegia das chuvas, e lá fiquei quieto. Passado um tempo, na mata não se tem pressa, uma hora é pouco para quem espera a caça entrar na “comida”, foi então que comecei a ouvir uns assobios bem fortes, já era quase noite, tomei aquele susto, tinha ouvido falar do Curupira, meu pai contava que eles davam esse sinal primeiro, se o cabra não saísse rápido, eles vinham pegar a gente, me preparei para descer, quando, surgiu na minha frente, um bicho desconhecido, me ajeitei para atirar, foi quando notei sua enorme semelhança com gente, ele estava de pé, fiquei a olhar pra ele e ele pra mim, sinceramente, não vi naquele olhar nenhuma ameaça, a gente sente quando a coisa é ruim, baixei a arma e desci, ele me parecia uma criatura pequena, a noite começava a baixar, já estava tudo escuro, liguei a lanterna e quase o meu coração parou, era o tão falado Curupira, estava ali diante de mim, com cada olhão a bom seguir cada movimento meu, sem esboçar nenhuma reação, como se esperasse que eu o entendesse, pela sua compleição física, vi que não passava do tamanho de um menino de uns 9/10 anos, porém, muito bem atarracado de músculos, uma menino musculoso eu diria, até pensei, se esse bicho quiser “botar” em mim, eu até dava conta de me embolar com ele...(continua no próximo capítulo).

Molar
Enviado por Molar em 15/05/2020
Código do texto: T6948544
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.