O IDOSO DESCONHECIDO
Prólogo
No mês de março de 1957, numa manhã de Sol forte, em Ibiara, pequena cidade do interior da Paraíba, um jovem casal passeava, mas algo parecia não estar bem. O comportamento de ambos era um tanto quanto artificial.
Havia uma inquietação no ar. A jovem era linda, educada, cabelos longos e rosto ovalado; trajava um vestido de tecido leve, verde-azulado, propício à estação do ano. Ela acompanhava um rapaz também jovem, elegante e bem apessoado.
O LOCAL APRAZÍVEL
Na praça, bastante arborizada, alguns beija-flores, calopsitas e papagaios estavam alegres e saltitantes. Chilreando em demasia, faziam festa com às presenças não apenas dos enamorados adolescentes, mas sobretudo a de um casal de malabaristas.
Também havia na praça três palhaços, várias crianças em trajes escolares, um pipoqueiro e um senhor idoso que dormitava num dos bancos recém-pintados, protegido do Sol já forte, usando uma camisa xadrez e chapéu de couro desgastado.
Aproximando-se do idoso a linda e feminil mocinha disse e perguntou, depois de um sonoro e aflautado bom dia:
– Olá... Como vai o senhor? Tudo bem? Podemos conversar um pouco? Meu namorado e eu estamos sendo perturbados por uma mulher, talvez ex-namorada dele. – A moça se referia ao rapaz, seu acompanhante que, visivelmente perturbado, talvez acabrunhado, cofiava o bigode ralo.
Por telefone palavras ofensivas e ameaças, em quaisquer horários do dia e na noite estão nos consumindo a paciência. O que poderemos fazer além de avisarmos à polícia? O que o senhor faria? – Perguntou a adolescente com um enigmático brilho nos olhos castanho-claros.
A RESPOSTA DO IDOSO
– Nessa circunstância eu me alegraria. Ora, por mais incomodados que vocês estejam é bom que se alegrem. Aprimorar a paciência requer alguém que nos perturbe, nos faça algum mal e assim nos permita praticar a tolerância.
– Mas acreditarmos que merecemos ser respeitados e não queremos ser insultados por quem quer que seja – Redarguiu a moça balançando os cabelos brilhantes e se aconchegando ao rapaz de rosto pálido.
– Não. Definitivamente vocês não merecem ser maltratados. Aliás, ninguém merece ser vilipendiado. Todos os seres vivos, animais inclusive, necessitam ser respeitados. – Disse o ancião.
O respeito é importante, em particular para o ser humano que, por ter inteligência emocional, precisa de alguém que lhe faça algum mal para aprimorar a paciência, praticar a tolerância, ficar experiente e evoluir por mérito. Por isso eu disse que me alegraria com as ofensas pela oportunidade de praticar a tolerância. – Concluiu o idoso com o rosto plácido e sorriso terno.
A FARRA DA PIPOCA
Arqueando uma das sobrancelhas o rapaz tentou balbuciar algumas palavras, mas nesse momento o pipoqueiro tocou sua corneta avisando que uma fornada de pipocas estava pronta para consumo. A revoada dos inúmeros pássaros fez o casal de enamorados olhar para o alto e correr até o pipoqueiro sendo seguido pelos palhaços, malabaristas e as barulhentas crianças.
Felizes, mas ainda sem compreender as palavras do velho, o casal resolveu comprar pipocas para agradar o homem idoso que voltara a cochilar, como se não houvesse escutado nem dito nada de novo ou importante.
Os enamorados voltaram e encontraram no lugar do ancião uma senhora em trajes simples que rezava segurando, entre as mãos engelhadas, um chapéu de couro surrado e antigo.
AONDE FORA O ANCIÃO?
– Onde está um senhor idoso que estava aqui, neste banco, ainda há pouco? Trouxemos pipocas para ele... Ele usava este chapéu que a senhora está segurando. Aonde ele foi?
– Vocês devem estar enganados. Este chapéu pertenceu ao meu irmãozinho Antunes. Ele faleceu neste mesmo local, há oito anos, em março de 1949. Eu estava chegando e vi quando vocês correram com as crianças ao encontro do pipoqueiro.
Meu irmão sempre se sentava neste banco. Dizia ele que conversava com os passarinhos sempre em sua volta. Por isso, todos os dias, eu venho aqui rezar para ele. Trago o chapéu comigo porque em sonho ele me solicitou para fazer isso.
Houve um dia que eu não trouxe o chapéu dele e os pássaros não apareceram. Ah! Tenho uma foto que está sempre comigo. – Ato contínuo mostrou a foto do idoso usando os mesmos trajes em que, segundo o casal de enamorados, usava há pouco.
Na foto chamava a atenção a camisa nova de tecido xadrez branco e azul-turquesa. O ar do ambiente agora estava agradável. Nos rostos dos presentes havia uma alegria indescritível sublimada por uma brisa suave. Parecia que todas imaginárias ou reais aflições houvesse levantado voo junto com os multicoloridos pássaros.
"Se um dia uma brisa leve e suave tocar seus rostos, não se aflijam, é apenas minha presença que lhes beija em silêncio." – (sussurro do idoso como uma nostálgica calmaria).
CONCLUSÃO E MORAL DA HISTÓRIA
Na vida material a evolução dependerá do zelo com as crianças e os animais, do respeito com as mulheres, os jovens e os idosos; da simpatia com os esforçados e da tolerância com os fracos e fortes, cultos e incultos; do carinho e compreensão com os mal-educados, malcriados, ingratos, grosseiros e indiferentes.
Não será demais lembrar que em algum momento da vida o ser humano compreenderá que já foi criança, adolescente, inculto, inconsequente, adulto, e, se conseguir superar algumas provações leves, média e severas, poderá envelhecer com dignidade para ensinar com proficiência.
Não esqueçam jamais: Nenhuma qualidade humana é mais intolerável e danosa do que a malquerença potencializada pela insana irascibilidade. Mas quando a intolerância for tolerada pela primorosa paciência, a violência não se propagará como uma pandemia incontrolável.