DOIS LADOS DE UMA VIDA

   Jefferson percorreu todo o corredor do hospital, não viu ninguém pelo caminho, enfermeiras, médicos, atendentes, por ali não tinha um pé de pessoa, ele até estranhou. As luzes todas acesas, inclusive das enfermarias, mas nada de doentes, estavam completamente vazias. Só ele no hospital? - indagou para si próprio. Andou por outros corredores, entrou em várias dependências e nada, não encontrou ninguém. Procurou alguma janela para ver o mundo lá fora, não encontrou uma, uma saída sequer para fugir daquele lugar, também não encontrou. Vestia aquele roupão branco de internado, não podia sair assim, voltou para sua enfermaria, lá estava sua mãe, sentadinha numa cadeira ao lado do seu leito, tranqüila, nem percebeu que ele tinha saído. Lhe bateu uma sonolência, em seguida se viu deitado na cama, inerte, de olhos fechados, apenas ouvindo a voz de sua mãe, dona Clemilda, que orava pela sua recuperação. Abriu os olhos bem devagar, lembrou do que tinha feito, saído pelo corredor afora a procura de não sabe o que. Essa lembrança logo se apagou em sua mente, apenas olhava o semblante de sua mãezinha que ali estava para cuidar dele, que não tinha forças para levantar-se, estava acometido de uma doença crônica que lhe tirara os movimentos, era um inválido, dependente de tudo, até para alimentar-se, a mamãe era quem fazia isso, na sua ausência algum outro membro da família ou mesmo uma enfermeira.

   Manhã do dia seguinte, nosso personagem principal percorre os corredores do hospital em busca de uma saída, já não agüenta mais estar ali sem ter uma atividade, sem poder fazer alguma coisa com suas próprias mãos, quer poupar dona Clemilda, por quem morre de pena ao vê-la ali cuidando dele diariamente, um sacrifício muito grande. Pela enésima vez anda por todos os corredores daquele bendito hospital em busca de uma solução para o seu problema, mesmo que isso custe afastar-se de sua mãezinha, que tanto ama, mas não quer vê-la naquela situação, talvez pior do que a sua, prefere ganhar o mundo ou se perder nele, o que não pode é deixar aquela pobre mulher permanecer nesse sofrimento. Já cansado, sem encontrar uma saída para uma possível fuga, volta para seu quarto desiludido, não sabe o que está acontecendo, por que não encontra uma saída? Por que no hospital não existem portas? Não consegue entender isso. Entra, vê seu leito vazio, ao lado sua mãe sentada, parece que nada está acontecendo. Mais uma vez a sonolência, tudo escurece e depois se vê no leito, bem quietinho, olhos fechados como sempre. Abre-os devagarinho, sua mãe lhe sorri, ele nem pode retribuir e nem fazer algum gesto, sente raiva por isso, preferia mil vezes morrer e tirar dona Clemilda dessa triste realidade.

   Isso acontece praticamente todos os dias, inúmeras tentativas de fuga, de encontrar uma saída e ganhar a rua. Tudo parece concorrer para o seu sofrimento, mas Jefferson prefere que seja assim, pelo menos tem aqueles corredores vazios para andar nessa sua letargia quando abandona a cama e que não sabe explicar porque acontece.

   Mais uma vez lá vai nosso personagem pelos corredores, já sabe que vai se decepcionar, mas tenta, não custa nada, um dia pode surgir uma oportunidade, ninguém sabe. Andava, corria, entrava nas salas e quartos, gritava, mesmo sem ver ninguém, depois continuava pelos mesmos corredores, sem janelas e sem o que queria, uma saída, uma porta para ganhar a rua. O desespero foi tão grande dessa vez que perdeu o controle e bateu com a cabeça numa parede, só que inexplicavelmente não sentiu nada e se viu do outro lado dela, ou seja, seu corpo conseguiu atravessar a parede de concreto. Sorriu mesmo sem entender o que ocorreu, ele estava na parte de fora do hospital, começou a caminhar, percorreu aquele local estranho, viu o hospital afastar-se da sua visão, riu mais uma vez, parecia uma criança quando ganha doces, mas estranhou o lugar, não era aquele mesmo de quando chegara para se internar, não via ninguém na rua, nem carros, nem casas. Nesse momento uma súbita sonolência se abateu sobre ele, daquelas que sentia quando adentrava o seu quarto no hospital. Sua vista escureceu e ele percebeu claramente que se encontrava novamente em seu leito, mas dessa vez não conseguia abrir os olhos, só escutou o choro de sua mãe e as palavras de um médico que ali estava: "sinto muito, minha senhora, vamos providenciar a remoção do corpo para a pedra".

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 01/05/2020
Reeditado em 01/05/2020
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