Minha adorável esposa tem um amante que lhe agrada
Ela sai furtivamente, sempre bela. Passos silenciosos, o mínimo barulho no girar da chave para que a porta não a delate. Finjo o mais profundo sono, não irei ver. Ela vai se encontrar com ele, com certeza.
Tem sido sempre assim. Minha vida ultimamente é lutar contra esse pensamento de traição. Fico o tempo todo imaginando o que possa estar acontecendo. Quem será ele? Um amigo, um conhecido? Talvez um desconhecido. Mas onde ela o teria visto por primeira vez? Como foi a abordagem?
Já sei, um galanteador, boa pinta, conversa sem pretensões, um cara alegre e divertido, papo agradável, ela sempre carente, outro dia um café... Aquela vontade de não pensar na pessoa, que no fundo é o mais completo desejo de preservar a imagem, a fala e o sorriso em pensamento. Eu sei, pois é assim que começam todas as traições.
O mais incrível é que o amante tem todo o tempo do mundo. Sua disponibilidade é sagrada missão. Convite para um café da manhã às 10 horas. O sabor da bebida da amizade sentido sem pressa; ali se fala dos filhos, da preocupação com seu futuro, reclama-se do marido, uma palavra de conforto e a promessa de carinho que no dia seguinte será cumprida com máximo empenho. Ele sabe como deixá-la submissa, e com a ilusão de que está no comando. Ela vai passar a noite em claro, imaginando como será a primeira vez. Irá sentir o que há muito não lhe toca. Ele deve ser incrível!
Antes, um passeio sem pressa pelo shopping, nenhuma indignação por lânguidos olhares em vitrines, sonhos, coleta de preços. Um conselho inesperado de compra. A falta de dinheiro era o que ele precisava. Despojado, um presente desses era tudo o que ela queria. Quão amável! Assim é que deveria ser. Os homens não deveriam ter problemas dessa ordem. Deveriam se esforçar um pouco mais, ganhar todo o dinheiro necessário. Que diferença brutal entre maridos e amantes.
Não é só. Se ela precisa ir às compras mais básicas, ele pode acompanhá-la, sempre sorridente, e a apoia em todas as decisões. O problema do carro dela não é problema. Ele sempre sabe da melhor técnica, do melhor mecânico, e tem tempo para se desincumbir desse odioso compromisso.
Ela tem razão. Como não se apaixonar?! Mas mulher não pode transar senão por amor. Que coisa ultrapassada, mas essa lição da avó não deixa sua mente. Tudo bem, ele a fez sentir o que não mais aflorava em seu coração. Aquela batida forte, o calor que vai incendiando a alma, aquela vontade de estar junto, o desejo...
Ela muito quer. Mas não está preparada. Ele já esperou tanto tempo, quantas promessas de “amanhã eu prometo” ela havia quebrado. Não é um homem juvenil que quer apenas sexo, ele a ama mesmo. Será uma noite digna de sonho. O marido estará viajando. É a grande oportunidade...
Como ele era diferente. Mãos suaves, olhar profundo, beijo silencioso. Sem volúpia, ele a conforta em seu medo, lhe dá segurança, tira suas roupas com delicadeza, banha-lhe de beijos em todas as curvas do excitado corpo, um elogio atrás do outro. Uma penetração leve, respiração profunda, movimentos coordenados, e a espera chegar ao clímax. Uau! É perfeito!
Juro que não esperava que ela chegasse a esse ponto. Poderia imaginar tudo, temer esse ato final, mas tinha esperança de que ele não se consumasse. Devo segui-la, ter certeza? Melhor ignorar e seguir adiante, pois a amo tanto. Mas imaginar se é isso mesmo não está adiantando. Ideia fixa que não abandona essa mente esquizofrênica. E se ela desconfiar, se me flagrar na desconfiança e nada houver?
Um instante de lucidez é preciso... É apenas um amante imaginário. Em verdade o criei para que esteja sempre ao lado dela, protegendo-a, amando-a com a sublimidade do desinteresse pela contrapartida. Assim ela não se sentirá atraída pelas reais investidas. E perceberá que a amo, e em pensamento a agradarei em tudo que for possível. Se dará conta de que a estarei esperando para realizar seus sonhos não confessáveis.