Um outro ele
Gêmeos separados por uma década. A mãe é dele. O outro veio depois. Apareceu um dia qualquer sem explicação lógica nem alguma teoria de alguém com diploma. Apenas chovia um chuvarão danado. Nesse dia é que foi o caso do outro aparecer. Isto serviu para colocar mais dúvidas nele próprio. A roda gira dia e noite sem parar. Um estava em casa e o outro apareceu no pátio, onde estão enterradas outras pessoas da família.
Tem a cova dele também.
Um vê no outro ele mesmo, um mais novo que o outro. Igual e diferente na mesma pessoa. Na mesma pessoa que olha a outra e não acredita que ele possa estar ali e lá ao mesmo tempo. Ambos olham um ao outro, o outro que é um, o novo e o velho frente a frente. Palavras não faladas ditas com os olhos. Um quer ser o outro e ele mesmo. E ainda a chuva que não secava, molhando tudo a volta. A água, alagada na terra é narcisista. Os corpos, por causa da enxurrada, pra lá e pra cá no pátio chuvoso, boiando, uns devagar, outros mais rápido.
E os dois, que são um só, olham um e outro refletidos no espelho úmido.
E no reflexo, ele busca algo que pudesse servir, algo que pusesse se apegar por mais tempo e o fizesse crescer. Mesmo com o outro na sua frente, ainda só. Assim foi sempre. E agora isso. Essa coisa refletida, a confundir sua consciência e lhe trazer pensamentos não pensados. A chuva ia secando, aos poucos. Aos poucos, iam os dois, mais perto. A semelhança é igual neles. Nenhuma palavra escutada.
Só o som dos pensamentos, e alto.
Tão alto que ele mesmo já ouve. Quer estar ali, no outro. Ser ele outra vez. Passar tudo de novo e mais uma vez voltar ao ponto em que estava agora, nesse instante que passou. O seu futuro já foi e deixou o presente pra trás. Nada vezes nada, igual a ele menos o outro. Mas, face a face, e ele estava com ele mesmo, colado ao outro como se tivesse nascido assim. A umidade da terra ele sentiu.
A chuva secou.