Pandemia: Deus escreve certo por linhas tortas

O Mestre contemplava a imensidão e as maravilhas do universo quando, de novo, aquele pontinho azul de brilho especial atraiu-lhe a atenção. Ao mesmo tempo que se destacava pela beleza, ele emitia uma vibração desarmônica, que a sensibilidade do Mestre logo fez captar. Ele, como sempre fazia, dirigiu-se ao seu obsequioso assistente:

-- Pedro, aquele pontinho azul, é mesmo aquele planeta maravilhoso que estou pensando?

-- É sim, Mestre, é a Terra! Aquele milagre único no universo que projetamos nos mínimos detalhes para que pudesse ter um tipo muito especial de vida. E mais, para que a vida pudesse evoluir de uma forma fantástica ao longo do tempo, desenvolvendo inteligência, sonhando com alcançar um nível de sabedoria que os igualasse a seus criadores. A Terra tem maravilhas únicas, para encantar o espírito dos seres vivos que por lá vivem. Os oceanos, as matas, os rios e suas cachoeiras, as montanhas nevadas, as nevascas que cobrem tudo de branco, o outono que avermelha os bosques, os arrebóis que pintam os céus de rubro, as noites sem lua que escancaram a galáxia luminosa, as noites de lua cheia que cobrem a Terra de um brilho práteo, as chuvas que tudo lavam e tudo dessedentam, as primaveras que pintam de colorido as campinas e as matas, as árvores generosas que se carregam de frutos, os pássaros canoros que encantam e surpreendem com seus gorjeios... São incontáveis benesses colocadas lá naquele planeta que é uma joia única.

-- Mas me parece que as coisas não andam muito bem por lá? Sinto uma vibração destoante.

-- Pois é, Mestre, a evolução das espécies é sempre aquele processo um tanto imprevisível, com avanços e recuos. E às vezes é necessária uma extinção para evitar um caminho errado e viabilizar outros mais promissores. Lá na Terra isso já aconteceu várias vezes, mas nunca antes com a inteligência, o gênio inventivo, tão evoluído quanto agora.

-- Lembro-me bem. Já tivemos que cobrir todo o planeta com gelo, várias vezes. E também fizemos cair lá aquele meteorito.

-- Pois é. Mas a espécie que domina a Terra atualmente, que alcançou a inteligência e a engenhosidade, ainda não alcançou a sabedoria e o discernimento. Não conseguem enxergar os milagres do planeta, estão ameaçando-os gravemente. Não conseguem evoluir do egoísmo para a solidariedade. Muitas vezes até mesmo em família há desavenças sangrentas. Guerras de conquista, mortandades, escravidão, miséria, fome, doenças são crueldades comuns, em nome do domínio de uns sobre os outros, em nome de um acúmulo desigual, desnecessário, dos bens que o generoso planeta e o dom da inteligência lhes ofertam. Há muitos que não atinam que há mais que o necessário para o bem estar de todos. Estão comprometendo o planeta, e se destruindo.

-- Nossa, quanta cegueira! É isso a vibração nervosa que sinto vinda de lá!

-- A vibração é a ganância compulsiva, que ainda comanda a espécie atualmente dominante, a humanidade. Que é inteligente, mas prepotente e ignorante.

-- Mas outras vezes já interferimos para tentar reconduzi-los ao caminho do despertar da sabedoria e da solidariedade, não foi Pedro?

-- Sim, ao longo da História temos interferido, dentro do que nos permite o princípio do livre arbítrio. Foram inúmeras pragas, desastres naturais. O planeta funciona como um grande e complexo organismo vivo, quando uma única espécie ultrapassa os limites de tolerância, o todo responde. Agora estão às voltas com uma nova praga que se espalhou por toda a população humana do planeta.

-- Vai exterminá-los?

-- Ainda não. Só vai alertá-los. É uma tentativa de fazê-los enxergar que a ganância não pode estar à frente do respeito à vida. Se não aprenderem desta vez, da próxima o planeta pode descartá-los definitivamente, e investir na evolução de outra espécie, que se mostre mais sensata.

-- Então é isso, Pedro. De fato, a humanidade está vivendo sua adolescência. Lembro que os fizemos à nossa semelhança, não foi? Está confusa, insegura. Também já fomos assim, há uns treze bilhões de anos atrás. Mas é ela que tem que escolher seu futuro. Torço para que faça uma boa escolha.