A Abelha e a Flor 
     Houve uma vez, em incerto e improvável lugar, acontecimento de singular desfecho que se fez notório além do espaço e tempo.
     Dava-se que, ali, cada menina, ao nascer, recebia a grave incumbência de zelar pela integridade de cheirosa e aveludada flor. Mesmo tão apenas em botão, já se mostrasse exuberantemente em perfume e cor. Atraía e encantava a tantos que, por acaso ou intenção, nela pousassem olhar ou percebessem o irresistível olor.
     Por dilatado tempo, tudo aconteceu conforme. Nem sombra de desvio que pusesse preocupação. Nada que ousasse mudar o estabelecido.
     Cada qual menina e inseparável florzinha viviam e conviviam em harmonia fiel. Resguardo total nas fases várias da vida.
     De início, a lição primária do cuidado, de como e quanto. Sem o porquê, porém. Nada dificultoso impor às pequeninas a conveniência do que fazer. Criança com cantiga ou doce se pode distrair.
     Na adolescência, o cerco mais se efetivava. Mudanças fortes e agudas ameaçavam a tradição imposta. Sobremaneira, as mães e pais, em cuido, venciam a rebeldia das filhas, que passarinhavam, filhotes, em alçar primeiro voo.
     Perigosamente e, para desespero dos guardiães, a flor em botão, entumecido, carregava em tons e cheiros cada vez mais sugestivos. Era urgente inventar causas nobres e substantivas para a garantia do acertado pacto.
     Chegada a adultície, enfim, baixava-se a guarda e a flor desabrochava imponente em sua beleza intacta. Podia, então, ser tocada e gozada em toda a sua plenitude.
     E assim se dava o tudo. Nada que alterasse o curso da coisa ali seguida.
     Por tempo e tempo, assim foi sendo.
     Até que…
     Houve uma, Maria Virgínia, que ao ensaiar passos na pós-infância, fez fatal e inédita pergunta:
     - Se como e quanto, então, por quê?
     Ninguém sabia preparada a resposta. E a única e vã meninazinha decidiu buscar clareza da irrespondida questão. A contragosto e para a tristeza de todos, dirigiu-se a diferente e desconhecido lugar. Ela e sua flor.
     Espalhando cheiro e tintas na manhã cinzenta de antecipada e fria saudade, partiu de lá.
     Insuspeitava do advir, firme embora, no intento de quebrar a regra arbitrada a seguidas gerações. Permitiu-se levar ao sabor do vento e pensamento; incerto este, frio aquele. E logo, o lugar. O outro.
     Inebriou-se de pronto nas luzes e cores que editavam sucessivas primaveras. Encantou-se com abelhas e borboletas que lhe reverenciavam a mimosa companheira. Experimentava o sorriso da partilha. Reforçava a intenção de descuidar-se, de si e dela, para se inteirar em leve liberdade.
     Num pôr-do-sol, insinuante de desejo, deixou-se sobre a grama de um jardim. A flor na concha das mãos. Sobreveio, voando em desusado tamanho e atrevimento, uma abelha em sua reta direção.
     Repentinamente desabrochada, entre as mãos, conchegou o visitante que se achegara em toque forte e viril. Súbito de espanto, em fina dor suave.
     Despetalou-se.
     O após foi sugerido sabor de mel. A mocinha semi-sorriu de gozo e dor. A abelha, em júbilo, transvoou ao distante, deixando-as a sós. A menina tonta, e a intacta flor era uma vez. Suavemente adormecidas.
     No fino frio da seguinte manhã, sem nada para o cuidado, retomou ela a caminhada de casa até ali feita. Brincava com a brisa, pássaros e borboletas, pisava, sem ver nem querer, flores campesinas espalhadas ao sabor dos caminhos. Pela primeira vez, sentiu-se livre e feliz. Então, sorriu-se inteiramente.
     Em casa, descobriram-lhe a mudança e estranharam a alegria. Impuseram à leviana a clausura penitente. A segurança de total isolamento. Chamassem-na, agora, Maria, só.
     Nada adiantou.
     Um canto, nascido numa tal cela de grade e chave, espalhava-se doce na tarde quente de pleno verão.
     Foi então que cada moça e flor, inebriadas na magia da canção que brotava da janelinha escura, tomaram, quase em fila, todas, o rumo da abelha, aquela atraente e atrevida, ao além de tudo.
     Logo retornavam em alvoroço. Felizes e livres, agora, totalmente, da guarda, sem um fim, da recôndita e companheira flor.

Magnífico soneto de interação do Sensacional Poeta FCunha Lima:
A FLOR E O ZANGÃO

Uma flor pequenina por jovens guardada,
Desde o seu nascimento até a puberdade,
Tão depressa chegou a sua mocidade,
Como flor se sentiu assim arrebatada.

De repente fugiu e sumiu na estrada,
A procura do lhe seria a verdade,
Por lá então deixou a sua virgindade,
Quando pelo seu grande olor se viu beijada.

Atrás do seu pólen uma atrevida abelha,
Despertou no seu âmago uma centelha,
Que logo depois transformou-se em paixão.

Um jardineiro que cuidava muito dela,
Encheu-se de enorme amor por flor tão bela,
E descobriu que a tal abelha era um zangão.

Inspirado no belo conto A Abelha e a Flor,
Do mestre poeta Fernando Belino.
30-03-2020. Fernando cunha lima.
Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 30/03/2020
Reeditado em 25/04/2020
Código do texto: T6901236
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