Nunca me disseste que ia doer tanto

Nunca me disseste que ia doer tanto estar aprisionado num corpo que não é o meu, sentir-me refém de uma realidade inventada por outros, viajar pelo mundo dos sonhos com a certeza que nunca lá irei viver. Nunca me disseste que ia doer tanto viver uma vida que não é minha, como marioneta de um destino desenhado por outros, morrer por dentro e sorrir, viver nas trevas e iluminar por fora, dormir acordado, descansar um corpo descansado…

Nunca me disseste que ia doer tanto caminhar de mão dada por prados verdes, sob a copa das árvores, pelas amendoeiras em flor, não sou eu que caminha, mas um corpo autónomo que me leva, e eu? Eu não quero ir, mas o que quero não importa, ninguém se importa, eu que apenas desejo estar fechado entre quatro paredes fechadas e sem luz, eu que me basto nos pensamentos, eu que apenas quero estar acompanhado de mim mesmo…

Nunca me disseste que ia doer tanto acordar pela manhã, olhar no espelho e ver um estranho, velho, com rugas, de barba, ver alguém que não conheces, olhar no espelho e só me apetecer esbofetear esse velho que me olha com um olhar vago, distante, sem expressão, quase incrédulo, por não discernir se vive ou se pelo contrario morreu em vida…

Nunca me disseste que ia doer tanto essa sentença que te aplicaram, não a morte, mas o exílio pela reencarnação… eu que apenas queria a paz do silêncio eterno, entre o desconhecimento do mundo e a felicidade da ignorância…

In: Nunca me disseste que ia doer tanto

Alberto Cuddel
Enviado por Alberto Cuddel em 20/03/2020
Código do texto: T6892044
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