Última Chance

Era meia-noite quando o velho cargueiro aportou em Última Chance. O cais estava praticamente vazio e encoberto pela neblina, as luzes amareladas da administração brilhando convidativas em meio ao negrume circundante. O capitão Sloane preparou-se para desembarcar, tão logo a documentação que teria que apresentar às autoridades portuárias lhe foi entregue.

- Está tudo aqui? - Inquiriu, erguendo a pasta de papéis.

- Sim, capitão - assegurou o imediato.

- Não queremos ter problemas em Última Chance - insistiu o capitão.

- Toda a papelada está aí - redarguiu o imediato.

Sloane fechou o casaco de gola de pele e saiu do passadiço para o frio da noite; o ar ali era úmido, e cheirava a maresia e óleo diesel. Ele caminhou sem pressa pelas pedras desgastadas do cais, pasta debaixo do braço, rumo ao prédio da administração. Uma sombra passou diante de uma das janelas do térreo: alguém estava à sua espera. A porta principal abriu-se antes mesmo que chegasse até ela.

- Capitão Sloane - saudou-o uma voz vinda de dentro. Um vulto em contraluz surgiu no vão da porta entreaberta.

- Olá, Clarence - replicou o capitão, detendo-se.

- O mesmo de sempre?

- Sim, nunca muda - assentiu Sloane aproximando-se, pasta nas mãos. Entregou-a à Clarence, sem fazer menção de entrar.

- Entre. Eu tenho café - convidou Clarence.

Sloane apenas balançou a cabeça em concordância. Entrou. A porta fechou-se atrás dos dois homens.

Meia hora depois, Sloane saiu do edifício da administração, pasta sob o braço. Caminhou a passos lentos, de volta ao cargueiro.

- Tudo em ordem, capitão? - Indagou o imediato, quando este entrou no passadiço e lhe devolveu a pasta.

- Tudo em ordem - assentiu Sloane. - Nossos passageiros estão prontos para desembarcar?

- Apenas aguardando o seu comando - redarguiu o imediato.

Carregando malas de mão, um grupo de homens, mulheres e crianças começou a subir dos porões do navio para o convés. Sloane acenou para eles do passadiço, e alguns retribuíram o gesto. Finalmente, em fila indiana, começaram a abandonar o cargueiro.

- Vamos partir antes do raiar do dia - alertou Sloane para o imediato.

- Estamos prontos, capitão.

A porta da administração portuária abriu-se totalmente. A fila começou a entrar, em silêncio, no aposento imerso numa luz quente que lembrava o Sol.

Depois, fechou-se, e a escuridão encobriu as formas do cais.

- [25-02-2020]