Pop Star
Ufa! Após o último show da turnê mundial ele pôde, enfim, se sentar defronte ao imenso espelho do seu camarim oficial. Não poderia se sentir mais feliz, realizado. Afinal foram meses percorrendo o globo em voos intermináveis, de cidade em cidade, de hotel a hotel. Dentro de si invadia uma alegria imensa. Sentia-se o maior e o melhor dos mortais. Sentia-se o mais amado e querido do mundo. Chegou a cogitar se não era mais famoso e amado do que o próprio Jesus ou mesmo Maomé. Não achava que exagerava quando se via ao espelho. Era um jovem lindo, de olhos negros iguais às noites sem luar, com os cabelos de um negrume igualmente luzidios, saúde impecável e de uma disposição tal que dava para distribuí-la para todo o Universo. Sobre a mesa de centro pôde observar várias revistas, em várias línguas, onde o seu rosto se destacava na página principal. Na parede ao fundo tinha uma imagem sua em tamanho real com o mais arrojado dos figurinos. Riu-se de si mesmo e quase beijou o reflexo dos próprios lábios na superfície lisa e fria do espelho. Em sua mente ainda ecoava os gritos neurastênicos e eufóricos da legião de fãs ensandecidos que gritavam o seu nome: “Pop Star! Pop Star! Pop Star!...” Num devaneio seu se viu entre os deuses do Olimpo Musical ou no Panteão das personalidades históricas. Chegou a gritar para si mesmo “Pop Star”. Parou. Levantou-se, abriu a porta e observou se alguém havia ouvido seu clamor por Narciso. Ao fim do corredor viu que um jovem faxineiro cochilava sobre um sujo e encardido vassourão. Cerrou o cenho e sentiu uma repugnância ao se deparar com o mais baixo nível da escala humana, artística e econômica, justamente em seu mais íntimo momento de regozijo. Bateu a porta e voltou-se para dentro do camarim e para si.
Passado um terço de hora o telefone toca. Era o seu empresário que o felicitava pela performance majestosa, inigualável e pela repercussão nas redes sociais do último evento. Foi perguntado se aceitava fazer uma sessão de autógrafos para alguns fãs que aguardavam do lado de fora. Como poderia recusar se ele adorava ser adorado? Aceitou sem nenhuma resistência ao pedido. Voltou-se para o espelho, penteou-se, maquiou-se e quase que se beija novamente.
Abriu-se a porta do camarim. Eram vários os fãs que se apertavam em uma gritaria histérica e quase doentia. Os seguranças davam suporte para que não houvesse uma invasão bárbara ao recinto sacrossanto de um imperador romano. Começou a autografar sem sequer olhar a quem. O ego inflado era massageado a cada instante e assinatura. De repente, do nada, ele reparou num vulto estranho que se movia entre a turba ensandecida. A figura trazia nas mãos uma espécie de pergaminho que ia enrolando lentamente, autografado. Pop Star abaixou os olhos percorrendo toda a geometria daquele rosto aquilino, daquele corpo mofino, quando se deparou com os pés que eram parecidos aos pés peludos das cabras. Conteve um grito de horror. Quando levantou o olhar novamente, ele notou um sorriso maligno naquele rosto infernal. Desesperado e ofegante bateu com a porta fortemente. Parece que movido por um tipo de loucura, ele começou a abrir as gavetas, uma a uma, até se deparar com uma folha antiga e amarelecida pelo tempo, onde pode notar a sua assinatura e a data de exatamente oitenta e nove anos passados. Leu o contrato com a visão embaçada. Após quase um século ele se esquecera daquele “pacto”. Enfiou uma das mãos nos cabelos com ferocidade. Com a outra mão tampava a boca como que para conter a surpresa e o terror que percorria todo o seu magérrimo corpo. Ao fim da leitura sentiu o mundo girando, girando, girando... Desmaiou. Despertou meio entontecido. Quando deu conta de si estava sentado sobre uma cadeira posta no canto do corredor. Segurava com uma das mãos um sujo e encardido vassourão. As mãos estavam completamente enrugadas. Seu corpo agora era de um centenário decrépito. Ousou mais um grito. Mas o máximo que conseguiu foi ver um jovem (parecido com o faxineiro que ele viu no corredor) cercado pelos seus seguranças, desaparecendo com uma jaqueta lustrosa onde se lia nas costas estas duas palavras escritas em língua inglesa: “ Pop “Star”.
Gyl Ferrys