Palavra grande

Dia desses, Joe estava lendo um livro de contos e teve chamada a sua atenção para o fato de o autor ter feito uma referência ao que chamou de "palavra grande". E citou algumas, mas ele só se lembrava de uma: mundo. O detalhe é que esse nome de cinco letras fora citado não pelo seu tamanho mas por seu conteúdo. Segundo o rapaz, mundo é uma palavra grande porque pode ser utilizada pretextando insucesso, derrota, E não apenas por abrigar 7 bilhões de pessoas. Basta ouvir um dos grandes sucessos da cantora Maysa para não se ter a menor dúvida quanto a isso. O nome da música é: MEU MUNDO CAIU. Quer-se crer que a vida e não o mundo de alguém foi por água abaixo, desmoronou.

   Partindo desse princípio Joe decidiu que iria copiar a idéia do autor do conto da palavra grande, como batizou o que lera, e partiria em busca de novos termos que o convencessem de merecer tal título. Ele começou a sua lista pela palavra coração e logo tratou de explicar: no corpo dos animais o órgão é sinal de vida; se para, a morte é certa. E as pessoas que vivem fazendo o bem, que sofrem com a dor do próximo, que se colocam no lugar do outro, são tidas como de grande coração. Então, Joe celebrou sua primeira palavra grande.

   A tarefa do rapaz chegou aos ouvidos dos seus familiares. Pai, mãe e irmãos acharam aquela história interessante e logo se comprometeram de participar da busca iniciada por Joe. O que parecia uma simples brincadeira, curiosidade de um jovem, passou a ser uma espécie de competição, saudável disputa entre eles. Depois de coração, que outra palavra grande ocuparia a mente deles?

   Quando folheava um velho dicionário, o irmão caçula de Joe, apelidado de Serginho, deu um soco no braço da cadeira em que se sentara, chegando até a ferir o pulso, e gritou: achei um palavrão, quero dizer uma palavra grande, e acho que meu mano vai gostar. Só que não vou pronunciá-la porque tenho medo de não dar conta. Melhor mesmo será escrever letra por letra. E assim fez: P-A-R-A-L-E-L-E-P-Í-P-E-D-O. Ufa! Como estava tarde, o garoto foi dormir e não falou com ninguém sobre a sua descoberta.

   No dia seguinte, bem cedo, antes do café da manhã, Joe prometeu a si mesmo que não falaria mais sobre as tais palavras grandes apenas para ter a certeza de que a turma de casa não desistiria da competição. Afinal, fora ele o responsável pelo início da brincadeira, mas por isso mesmo gostaria de não se decepcionar caso a  família não voltasse ao assunto. Mas, para sua surpresa, quando colocava açúcar no café, seu pai tomou a palavra e logo deu sua colaboração dizendo: mãe é uma palavra grande, filho. Joe concordou, mas

pediu a devida explicação ao pai. A resposta foi curta e grossa: mãe, esposa, comanda a casa, educa os filhos, e para resumir, cuida de todos com amor. Todos, à exceção de Serginho que ainda dormia, deram vivas ao dono da casa.

  Já passara a hora do almoço quando o caçula da família pegara novamente o dicionário e encontrara não uma palavra grande, mas uma imensidão de letras juntas: inconstitucionalissimamente. Deus do céu! Como justificar a escolha daquelas palavras enormes a todos se nem mesmo ele dava conta de memorizá-las! A brincadeira iria acabar justamente no dia seguinte.

   Todos se reuniram na sala de estar. Pai, mãe e os dois irmãos. Serginho mostrou-lhes os dois nomes grandes num pedaço de papel - paralelepípedo e inconstitucionalissimamente - enquanto a mãe exibia a sua, na palma da mão: amor.

   Resultado da brincadeira: Joe, sorrindo, disse ao irmão que ele realmente colaborara com duas palavras grandes, mas no tamanho, no número de letras e não na importância de cada uma para o ser humano. E terminou afirmando que o que move o mundo estava contido na palavra de quatro letras trazida por sua mãe. Serginho entendeu o espírito da brincadeira e não fez por menos ao dizer que DEUS era a palavra grande que entraria na lista de Joe... Sem dar a menor explicação...

  

Chico Legal
Enviado por Chico Legal em 26/11/2019
Reeditado em 27/11/2019
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