A Grande Surpresa

Como tudo na vida vira uma rotina, a de Antenor Albuquerque não é diferente. Todos os dias acorda as cinco horas da manhã toma seu banho e ainda debaixo do chuveiro faz a barba. Depois de se enxugar, escova os dentes e espalha desodorante por quase todo corpo. Sempre nessa ordem, diz para si, que assim não esquece de nada. Ainda de cueca e camiseta, sim gosta de usar camiseta por baixo da sua camisa social, senta-se a mesa para tomar seu café da manhã sempre reforçado, pois só irá almoçar lá pelas duas da tarde.
Logo após seu desejum acaba de se arrumar.
Hoje veste uma calça cinza e camisa social amarela. É sexta-feira. Costuma usar uma cor de camisa para cada dia da semana e na mesma ordem: - azul nas segundas, verde nas terças, amarelo as quartas, rosa nas quintas e branco as sextas. Como bom supersticioso garante que é para afastar o que estiver para acontecer de ruim. Entretanto, hoje não se dá conta de que pela primeira vez troca a ordem das camisas, vestiu a amarela, quando deveria estar usando a branca. Os sapatos, sempre marrons, e o blazer combinando com a calça.
Terminado todo o ritual pega seu carro e com ele vai até ao estacionamento próximo do Metrô, onde embarca religiosamente no terceiro vagão e desce na estação da Carioca.
Toma um cafezinho na cafeteria do Edifício Central e as sete e cinquenta da manhã, religiosamente, entra na portaria do prédio onde trabalha.
Pronto.
Outra rotina a partir de agora se faz presente em sua vida. Seu escritório fica no sexto andar mas não usa o elevador. Subir as escada é um hábito que pratica há mais de quinze anos, mas não sobe sem antes pegar suas correspondências e cumprimentar ao porteiro e todos os seis ascensoristas, um a um. No segundo andar passa pela recepção do curso de informática que ali funciona e admira a linda recepcionista recém contratada sem deixar é lógico de também cumprimentá-la. Enfim, até chegar ao seu escritório sempre passa pelas salas dos amigos que ali dividem com ele há anos, aquele espaço. Costuma dizer, sem medo de errar, que conhece cada pedacinho e cada fresta que ali existe. Ritual completado, lá esta ele sentado em sua confortável cadeira, prontinho para começar a rotina trabalhista.
Como em todos os dias retira do bolso seu velho relógio Patek Philippe e o consulta: São precisamente nove horas da manhã.
Começa a trabalhar, porém, não pode deixar de lembrar. Nesta sexta-feira notara que as pessoas que o conhecem cumprimentaram-no de forma diferente do costume: - o zelador do seu edifício se referiu ao dia como se algo novo fosse acontecer, detalhe - ele era um pessimista nato; por sua vez, o vendedor de bilhete no metrô, um homem sempre sisudo e de poucas falas disse: - hoje o dia promete seu Antenor, olha só, lhe chamando atenção para uma rapariga exótica que acabara de passar; o proprietário da cafeteria mandou essa: - então Antenor, está preparado para o dia de hoje? Por que ele deveria estar preparado? No sinal o guarda de trânsito alertou: - cuidado ao atravessar seu Antenor espere o sinal fechar senão pode não ver mais a rua. Também não entendeu. Sempre esperou para passar ao outro lado da rua; - O porteiro do prédio em que trabalha, sempre sorridente, também se referiu ao dia de forma não muito positiva. Muito estranho! Um dos ascensoristas manifestou-se da seguinte forma: - hoje estou pressentindo que o dia não vai ser só de sobe e desce e por incrível que pareça seu colega do elevador ao lado ao escutar tal comentário, também concordou; a recepcionista reclamou: - não vejo a hora de ir embora desse prédio hoje isso aqui está sufocante, e o dia mal começou. E nas salas por onde passou então? Todos de alguma forma ou por algum motivo lhe pareceram diferentes. Acabou por concluir que o dia estava estranho, muito estranho mesmo. Seria por estar vestindo amarelo?
Tantas foram as mudanças de comportamento que Antenor pensa no pior, mas porque pensar no pior? Com a mente borbulhando resolve entregar-se ao trabalho para esquecer tudo aquilo e de tal forma se entrega, que até esquece da hora de almoçar. Ao se dar conta descobre que o dia tinha terminado e já está sim é na hora de voltar para casa.
Novamente outra etapa de rotina diária. Fechar seu escritório, descer pelas escadas ir de sala em sala se despedir dos amigos, pois agora só os veriam na segunda-feira.
Assim faz.
Desce todos os andares e qual não é a sua surpresa quando de cima do último lance das escadas vê aquela multidão. Algumas daquelas pessoas ele conhece bem.
Estão todas aglomeradas a sua frente impedindo que termine de descer os degraus, e pelo que tudo indica aquela multidão se estende até a saída principal do prédio. Mas o que será que está acontecendo por aqui? - Se pergunta Agenor.
Avista mais à frente, Noêmia, a amiga de porta escritório, e gesticula perguntando.
― O que está acontecendo?
― Estamos presos! - Respondeu.
― Como estamos preso? - Grita já nervoso.
De onde Antenor estava não dava para ver nada. Resolve então se certificar de perto o que acontecia, e de desculpa em desculpa e com licença daqui e com licença dali, vai se chegando até onde esta Noêmia.
O aperto é total, mal pode respirar. Dali também não vê nada. Nem os altos prédios que sempre estavam a frente do seu, consegue ver. Tenta ir mais adiante e ouve o grito lá da frente:
― Não empurra se não podemos cair no nada.
Cair no nada. Que diabos está acontecendo aqui? - Pensa.
Se aperta mais um pouco e segue na direção da porta de saída.
Para.
Se ajeita na ponta dos pés e mesmo assim continua a não ver nada.
Mesmo com as reclamações e pedidos de cuidado, força mais um pouco e consegue chegar próximo a saída. É quando para seu espanto e surpresa entende o porque da amiga ter lhe dito que estavam todos presos. Não via nada diante do prédio, mas nada mesmo. Vazio total.
De certa forma seus amigos haviam previsto aquilo. Era realmente um dia diferente de todos os outros. Afinal, simplesmente não tinha mais para onde ir, pois toda a rua sumira.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 14/09/2019
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